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O ACESSO AO PODER JUDICIÁRIO

        No momento em que o Judiciário se tornar enfraquecido e desestruturado ao ponto de influenciar indiretamente no espírito de seus jurisdicionados à renúncia do direito, resultando na dificuldade de acesso aos tribunais por múltiplos fatores de ordem interna e externa, estará, antes de mais nada, renunciando a si mesmo, a estabilização do Estado de Direito e a paz social.

 

Sumário: I - Introdução. II - A origem constitucional do princípio de acesso ao judiciário, III - A nova Constituição e o acesso aos tribunais. IV - Do acesso à administração da Justiça e o Estado de Direito. 4.1. A demora da prestação jurisdicional. 4.2. Quanto à função participativa, instrutória e decisória do juiz e a sua credibilidade perante a opinião pública. 4.3. Da formação e qualificação técnica dos profissionais do direito. 4.3.1. Dos advogados e assistentes jurídicos. 4.3.2. Dos Magistrados e membros do Ministério Público. V - Conclusão (Teses - Sugestões).

 

I - INTRODUÇÃO:

O tema tão bem escolhido pelos organizadores deste Congresso demonstra antes de mais nada a preocupação e a sensibilidade dos magistrados brasileiros para o ponto central da função judicante que em poucas e simples palavras é distribuir "justiça para o povo".

Trata-se de assunto de ampla repercussão de ordem sócio-jurídica e de atuali­dade incontestável sobrepondo-se aos questionamentos de ordem teórica, doutrinária ou filosóficas para atingir diretamente o liame fundamental que na prática deve existir entre a Administração da Justiça e os jurisdicionados.

A matéria exige de todos nós uma profunda reflexão sobre a realidade nacional para que consigamos oferecer uma contribuição concreta e honesta de alteração de todo este débil contexto que se apresenta de maneira insustentável, tanto para o povo ­desencorajado a bater às portas da Justiça em razão dos inúmeros obstáculos que pela frente terá que enfrentar (custas elevadas, tramitação do processo por prazo longo e incerto, incompetência dos profissionais do direito, etc.) -, quanto para os Órgãos do Poder Judiciário - envolvidos como estão numa parafernália de leis inadequadas, mal fomuladas, muitas vezes desatualizadas e que não mais atendem aos anseios sociais além do seu funcionamento precário, totalmente desestruturado, carente de recursos financeiros e humanos.

Sempre presente e merecedora de lembrança a inigualável lição e advertência do mestre tedesco VON JERING: "... Quando o sentimento de justiça do indivíduo se mostra embotado, acovardado, apático nas relações de direito privado; quando, face às leis injustas, ou às instituições viciosas não encontra campo para realizar-se, para desenvolver-se livre e vigorosamente; quando é perseguido nos momentos em que mais precisa de apoio e estímulo; quando em virtude de tal estado de coisas se habitua a tolerar a injustiça e a ver nela um mal inevitável - sempre que prevaleçam essas condições, dificilmente haverá quem acredite que esse sentimento de justiça, subjuga­do, atrofiado, apático, possa subitamente virilizar-se através duma sensibilidade intensa e duma ação enérgica quando colocado diante duma lesão de direito que não atinja o indivíduo, mas toda a nação, tal como um atentado à sua liberdade política, uma violação da constituição ou a subversão da mesma, um ataque do inimigo externo...”[1].

De outra parte, assim como o tema é palpitante e atual, não é absolutamente novo para nenhum de nós (antes fosse); há muito já se houve falar da dificuldade de acesso ao Poder Judiciário, de sua desestruturação e deficiências enfrentadas assim como a incompatibilidade da legislação à realidade social[2]. É preciso dar um basta sob pena de passarmos nossas vidas gritando como uma voz isolada no deserto. Não deixemos que os momentos de aflição relatados por SAINT-EXUPÉRY em sua tão famosa "Terre des Hommes" transforme-se numa realidade semelhante para o nosso mundo sócio-jurídico.

A situação lastimável em que se encontra o Judiciário pode ser constatada a olho nu assim como a inadequação das normas de direito processual civil; a morosidade da prestação jurisdicional é uma constante em todos os graus, tudo arrematado com elevado custo dos processos, tomando quase que inacessível a Justiça para a maioria das pessoas que compõem esta gloriosa Nação. Vivemos na era da informática, da mudança do século e milênio, das conquistas espaciais, das liberdades e da democra­tização mundial; mas contrastando clamorosamente deste cenário encontramo-nos de forma não muito diversa daquela vivida em tempos passados quando ainda se instalava nesta Colônia portuguesa a primeira Corte Judicial (a conhecida "Relação da Bahia"), em 1609, onde o acesso à Justiça era privilégio praticamente exclusivo dos nobres e da pequena e abastada classe burguesa[3].

O processo ganhou seu merecido espaço como ciência autônoma e passou a adquirir uma clara e incontestável função constitucional de instrumentalidade, única via de aceso, como uma ponte de união entre ilha e continente - o povo e o Poder Judiciário - cuja necessidade de torná-lo efetivo em seu verdadeiro escopo urge como imperativo de justiça social. Por outro lado, a legislação e o próprio mecanismo do judiciário não conseguiram adaptar-se de maneira cabal e satisfatória a esta realidade moderna, resultando num mar de insatisfação que aflige os nossos jurisdicionados. O Poder Judiciário desempenha socialmente este papel sendo que o meio para se chegar até ele é o exercício efetivo do direito à administração da Justiça, mais precisamente através da ação, corporificada por intermédio do processo.

Oportunamente com muita propriedade alertou o renomado Prof. ALCIDES DE MENDONÇA LIMA neste mesmo diapasão: "E como o Poder Judiciário, para exercer suas funções normais necessita do processo, em última análise, um processo bem estruturado, confiado a órgãos - singulares e coletivos - bem garantidos e contando com instrumentos eficientes, mesmo dentro ainda da imperfectibilidade humana -, será o meio de os indivíduos terem consciência de que, no cômputo geral, imperará a justiça como ideal alcandorado da humanidade. Tudo o mais será usurpação, fonte de desenganos, estímulo às revoltas, se o Poder Judiciário periclitar ou for impedido de desempenhar sua alta missão histórica, política, social, jurídica e, até, ética”[4].

No instante em que a nação organizada politicamente criou um Poder específico para dirimir os conflitos de interesses, retirando da esfera privada a possibilidade da autodefesa (admitidos apenas em casos excepcionalíssimos no direito moderno e nas hipóteses previstas em lei) reservou para si a nobre e difícil função exercida pelos seus membros[5]: "dizer o direito", ou seja, acolher ou rejeitar um pedido, uma pretensão de direito material. O Poder Judiciário, inerte como é para dar início a um processo        contencioso, precisa incontestavelmente de todos os mecanismos (técnicos e humanos) para distribuir a tão esperada justiça, conseguindo somente desta maneira atender os anseios do povo, dando a cada um aquilo que lhe é devido e, assim, manter a paz social e o Estado de Direito[6].

Após esta rápida abordagem, é de bom alvitre que façamos inicialmente os contornos do nosso estudo para melhor compreensão do raciocínio que paulatinamente será articulado, valendo frisar que o tema é vastíssimo e de inúmeras repercussões, pois envolve questões de natureza político-social, a começar pela conscientização, tradição e cultura de nosso povo, até os problemas mais complexos de ordem legislativa, jurídica e da própria administração da Justiça.

Em razão da amplitude do tema escolhido faremos uma análise do acesso ao Judiciário somente dentro da óptica do processo civil. As normas de direito adjetivo penal, não obstante ultrapassadas e exigindo também reformas radicais imediatas, não criam propriamente obstáculos que impeçam ao povo de exercer o direito aos tribunais (o que inversamente é uma constante na área cível), pois, via de regra, a legitimidade ativa ad causam é do próprio Estado, através dos membros do Ministério Público, permanentes representantes e defensores dos interesses da coletividade.

Em primeiro plano analisaremos o tema sob à luz de sua origem e importância constitucional e, numa segunda fase, veremos as mudanças que a Carta de 1988 introduziu a este respeito e, sobre ela, faremos breves considerações.

Posteriormente trataremos do acesso à administração da Justiça de forma sistemática com o Estado de Direito pois não só é evidente e elementar a conotação de ambos os temas assim como este não poderá jamais existir sem aquele. Neste ponto abordaremos os seus aspectos imediatos como também aqueles mediatos, pertinentes à função do juiz, do advogado e do assistente jurídico e suas respectivas formações científicas e intelectuais.

Deixaremos, todavia, de abordar a matéria sob o prisma doutrinário do direito subjetivo, da ação, de suas condições ou do processo, para não fugirmos da temática direta e nos alongarmos demasiadamente. O fruto que precisamos colher deste majes­toso encontro, além de nossa união com o espírito elevado de confraternização é a busca incansável das soluções para que possamos oferecer ao povo uma prestação jurisdicio­nal mais adequada ao momento histórico vivido, mais equânime e veloz, fazendo brotar como água cristalina, na consciência de todos que o Poder Judiciário neste País existe, é atuante e digno de total credibilidade, capaz de fazer vingar o princípio da igualdade e do acesso pleno aos tribunais.

Analisaremos o tema também sob o prisma da crise do processo, como meio e instrumento de união real entre a pretensão abstrata de qualquer pessoa à obtenção da tutela jurisdicional do Estado e a sua efetiva atuação.

Finalmente, à guisa de conclusão, procuraremos equacionar o nosso estudo em forma de sugestões. Todavia, registre-se desde já que está longe de nossa intenção com este modesto trabalho, apresentar fórmulas infalíveis ou inatacáveis; a tese ora formu­lada não ultrapassa da órbita da reflexão e desenvolvimento de algumas idéias sobre o tema elencado, com a apresentação de algumas propostas honestas, porém despreten­siosas, com o único intuito de tentar, de alguma forma, contribuir para a remoção ou diminuição dos problemas que obstaculizam na conjuntura hodierna os jurisdicionados a terem livre e pleno acesso ao Poder Judiciário, realidade esta que tanto nos aflige.

 

II – A ORIGEM CONSTITUCIONAL DO PRINCÍPIO DE ACESSO AO JUDICIÁRIO:

O acesso ao Poder Judiciário está intimamente vinculado com a concepção do chamado "direito aos tribunais" ou "direito de ação", conhecido princípio da iniciativa de parte ou da demanda[7]. Na precisa lição de LIEBMAN "il principio fondamentale che fissa il rapporto tra le parti e I'esercizio della funzione giurisdizionale: I'autorità giuduiziaria provvede di regola ad esercitare le sue funz;oni soltanto quando la parte gliene fa domanda (art. 2.907, cod.civ.; 99 cod. proc. civ.). 'Nemmo iudex sine actore '; 'ne procedat iudex ex officio '.Il principio e perciò all'origine dell'attribuizione del diritto di azione alia persona (sopra nº 12) e significa che I'invocazione della tutela giurisdizionale in materia civile (intesa nel più ampio significato) costituisce il contenuto di un diritto strettamente individuale e che perciò la difesa dei propri interessi e affidata alla libera determinazione del titolare ... "[8].

Assim, a única maneira possível de obter-se a restauração de um direito lesado ou ameaçado é através da provocação do Poder Judiciário que, pela simples e suficiente razão do dever de imparcialidade de seus órgãos, não pode proceder de ofício. Inegavelmente que tal afirmação não apresenta caráter absoluto, pois os interessados podem instituir, nos casos previstos em lei, o juízo arbitral; mas mesmo assim, para que a conclusão do laudo possa efetivar-se indispensável se toma a ingerência do Judiciário.

Preleciona FREDERICO MARQUES com meridiana clareza que "... A própria Constituição, ao declarar os direitos individuais e suas garantias, prescreve normas que incidem diretamente sobre a proteção processual dos direitos e interesses do cidadão em face do Poder Público e de outros cidadãos. A Ação, como direito ao processo ou como direito de pedira tutela jurisdicional do Estado, está entre os Direitos e Garantias Individuais que a Constituição solenemente enumera, ali também encon­trando-se a previsão de remédios processuais rápidos e seguros para a pronta restau­ração de direitos subjetivos atingidos por atos arbitrários do Poder Público[9].

É na Constituição Federal que repousam as garantias fundamentais de todo sujeito de direito e, particularmente, aquelas que asseguram sem discriminação o acesso ao Poder Judiciário[10].

A primeira parte do caput do art. 5º da Lei Maior destaca o princípio da igualdade ao afirmar categoricamente que "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza..." e, de forma mais específica dispõe no inc. XXXV que" a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito ". "Si può dire simbolicamente che le porte dei tribunali devono essere aperte a tutti affinchè possono proporre ai giudice le loro domande ... "[11].

Sem dúvida que é no Direito Constitucional ou mais precisamente na Consti­tuição que o Direito Processual encontra sua força e estrutura, pois é ali que residem os princípios fundamentais do direito de ação, de defesa, do contraditório, da publici­dade, do devido processo legal, do juiz natural, etc. Por este motivo, foi colocado em relevo pela Professora ADA PELLEGRINI GRINOVER que "A condensação metodológica e sistemática dos princípios constitucionais do processo toma o nome de Direito Processual Constitucional[12]".

O direito processual tem como finalidade precípua permitir, como instrumento colocado à disposição das pessoas, por intermédio do devido processo legal, a obtenção da manifestação judicial a respeito de uma determinada pretensão, com a aplicação da norma de conduta abstrata ao caso concreto, fazendo assim com que o direito material seja dinamizado e distribuída a justiça. Por isso, o direito processual é também denominado de instrumental, justamente por servir de meio, de instrumento aos jurisdicionados para a consecução de suas pretensões, tendo em vista que a autotutela há muito não mais é permitida (salvo raríssimas exceções). "Sem, pois, que se garan­tisse os meios processuais idôneos ao indivíduo para reivindicar e defender, eficaz­mente, seus direitos em juízo, desapareceriam as próprias garantias de liberdade que a Constituição procurou esculpir como base do sistema jurídico do Estado"[13].

Aqui reside a importância e a razão do tema escolhido para o nosso estudo e, de uma forma mais ampla, da “justiça para o povo". O Direito à jurisdição, ou seja "all attuazione della volontà concreta della legge mediante la sostituzione dell'attività di organi pubblici ad un'attività altrui, sia nell'affermare l'esistenza della volontà della legge, sia nel mandaria praticamente ad effetto"[14] ou talvez ainda mais claramente" ... l'attività degli organi dello Stato diretta a formulare e ad affuare praticamente la regola giuridica concreta che, a norma dei diritto vigente, disciplina una determinata situazione giuridica"[15] encontra sua fonte primeira na Constituição Federal, tanto no sentido ativo (direito de ação), como passivo (direito de resposta) fazendo-se mister de forma imperiosa que todo o sistema normativo processual e judiciário correspondam de maneira cabal à tutela que a Lei Maior conferiu como garantia fundamental a todos os jurisdicionados[16].

 

III - A NOVA CONSTITUIÇÃO E O ACESSO AOS TRIBUNAIS: 

"Pode-se dizer, pois, sem exagerar, que a nova Constituição representa o que de mais moderno existe na tendência universal rumo à diminuição da distância entre o povo e a justiça"[17]. Por outro lado, também não menos verdadeira a afirmação de que se o Estado não aplicar com determinação seus esforços no sentido de tornar eficaz o texto constitucional, com o escopo precípuo de permitir o pleno acesso à administra­ção da justiça e a efetividade do processo, tais princípios não passarão de letra morta e, de fato, nenhuma evolução sócio-jurídica será alcançada.

Em síntese, o novo texto constitucional ampliou o acesso à justiça nos seguintes pontos:

a) a legitimidade ativa ad causam, permitindo a demanda e defesa em juízo de entidades associativas (associações; entidades sindicais, sindicatos, partidos políticos) e do Ministério Público para a defesa dos interesses coletivos e difusos (art. 5º, incs. XXI e LXX; art. 8º, III, art. 129, III e 1º, art. 232) bem como da ação direta de inconstitucionalidade (art. 103);

b) criação obrigatória dos juizados especiais, com competência para concilia­ção, julgamento e execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permiti­das, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau (art. 98, I);

c) instituiu a conciliação extrajudicial, exercida pelo juiz de paz, eleito pelo voto direto, universal e secreto, com mandato de quatro anos (art. 98, II);

d) assistência jurídica integral e gratuita e Defensoria Pública, com incumbência de orientação e defesa, em todos os graus, aos que comprovarem insuficiência de recursos (assistência processual e pré-processual) (art. 5º, LXXIV e art. 134);

e) quanto aos remédios judiciais:

e.1) ação popular como meio de proteção de direitos coletivos pertinentes ao meio ambiente, ao patrimônio histórico e cultural (art. 5º, LXXIII);

e.2) mandado de segurança para proteção de interesses coletivos (art. 5º, LXX);

e.3) habeas data, para garantir conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constante de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de natureza pública e para retificação de dados, quando por outro modo não desejar fazê-la, por processo sigiloso, judicial ou administrativo (art. 52, LXXII);

e.4) mandado de injunção, que será concedido sempre que a falta de norma regulamentadora tome inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas·inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania (art. 5º, LXXI);

f) autorização por Lei Complementar aos Estados para legislarem em matéria processual (art. 22, parágrafo único);

g) promoção da defesa do consumidor[18].

Sem dificuldades, infere-se que o nosso constituinte não só preocupou-se em manter os direitos e garantias fundamentais processuais já acolhidos na Carta anterior como também em ampliá-los, além de criar outros remédios constitucionais, alargando assim de maneira considerável a possibilidade de acesso à justiça, numa resposta aos anseios de tantos juristas nacionais que empunharam esta bandeira de luta por vários anos, em favor do povo, na certeza de uma evolução salutar para o aperfeiçoamento do verdadeiro Estado de Direito.

 

IV - DO ACESSO À ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA E O ESTADO DE DIREITO:

Na doutrina moderna o "acesso ao Judiciário" ocupa um espaço de grandiosa importância, como núcleo central de todo um sistema de princípios de natureza processual constitucional que se reflete direta e incondicionalmente ao Estado de Direito. No momento em que, para evitar o conflito privado e o caos social o Estado incorporou em uma de suas funções básicas a garantia da tutela de todos os seus jurisdicionados, sem fazer qualquer distinção entre eles, não permitindo que a justiça de mão própria fosse executada, deixou àqueles que tivessem seus direitos ameaçados ou violados uma única via de encontro para a satisfação de suas pretensões, qual seja, a utilização do Poder Judiciário, através do efetivo exercício do direito de ação.

Assim, uma das fundamentais características do chamado Estado de Direito é o livre e pleno acesso à administração da Justiça para a obtenção de soluções aos conflitos de interesses resistidos, insatisfeitos ou de simples interesses não contencio­sos, de qualquer natureza e valor. Nesta concepção é necessário que frisemos o princípio da igualdade (não apenas teórico-filosófico) que deve existir entre todas as pessoas para acessarem ao Judiciário que, por sua vez, não pode fechar (indiretamente) suas portas aos menos afortunados.

O princípio da iniciativa ou da demanda encontra-se estampado no art. 2º do nosso Código de Processo Civil, onde o legislador de 1973 repetiu o antigo princípio do direito romano: "Ne procedat judex ex officio". Ressalvadas pouquíssimas exceções (abertura de inventário; exibição de testamento; arrecadação de bens de herança jacente de bens de ausente) "nenhum juiz prestará a tutela jurisdicional senão quando a parte ou o interessado a requerer, nos casos e formas legais".

A jurisdição é exercida somente pelos membros do Poder Judiciário (art. 1º, do CPC) e o juiz não pode iniciar de ofício a ação civil.[19] "Em decorrência disso, assume papel de muita importância a 'demanda', como ato inicial de provocação ao exercício do poder (...). A faculdade de apresentá-la e poder de exigir resposta da autoridade a ela ('direito de demandar', 'direito à administração da justiça') são bastante amplos e incondicionados e constitui de negação de justiça a recusa a despachá-la, por mais esdrúxula que seja a pretensão formulada, ou inadmissível o seu julgamento. E isso é assim em virtude da ampla vedação da autotutela, no direito moderno"[20]. Por estes motivos, LIEBMAN já afirmou que "L'azione rappresenta una soluzione determinata, nel campo dei processo, del piú generale problema del posto que spetta all'individuo nello Stato e dell'antitesi tra libertà e autorità"[21].

Para que exista, portanto, o denominado "Estado de Direito" é necessário que a vontade e a atuação do próprio Estado estejam dentro das regras do ordenamento jurídico vigente; em outras palavras, contrário senso, não haverá o tão almejado "Estado de Direito" sem a sua sujeição a este complexo normativo[22]. Desta feita, o acesso ao Poder Judiciário, como princípio constitucional processual de garantia da pessoa deve ser respeitado para que se possa admitir o verdadeiro "Estado de Direito", através da colocação à disposição dos jurisdicionados os instrumentos hábeis para ampla tutela e de mecanismos adequados para que, sem empecilhos ameaçadores, obtenha-se a consecução da efetividade do processo.

Aliás, já foi colocado em relevo por EDUARDO COUTURE este liame inse­parável existente entre o direito de ação e o Estado de Direito[23]. Importa dizer que "O Estado de direito só pode atingir seu real coroamento através desse instrumento processual-constitucional de tutela dos direitos fundamentais do homem"[24].

Analisemos agora alguns dos problemas que ainda obstaculizam e inibem direta ou indiretamente o acesso à Justiça em detrimento do "Estado de Direito". Mas como afirma CARMONA, "É natural que a evolução experimentada pelo país nos últimos 15 anos seja acompanhada de processo educativo do cidadão, cada vez mais consciente de seus direitos, tudo a aumentar a expectativa geral de que o judiciário cumpra seu papel histórico de garantir que a cada um seja atribuído o que lhe é devido, e que a lesão aos direitos subjetivos seja rápida e eficazmente reparada"[25].

 

4.1. A demora da prestação jurisdicional:

Diversos são os fatores que afetam o retardamento da prolação de um decisum final configurando-se, em linhas gerais, pelo desajuste da legislação processual e organização judiciária à realidade social e pelo número elevado e sempre crescente de causas em desproporção assustadora com o quadro funcional dos organismos da justiça. Nos dizeres de RENÉ MOREL é "inútil ter boas leis de processo se se tem uma má organização judiciária ou juízes insuficientes, enquanto juízes de largo conhecimento jurídico podem acomodar-se a um processo medíocre"[26].

É verdade insofismável que a perfeita conciliação entre o binômio rapidez e segurança do julgado em nenhum país ainda conseguiu obter-se. Todavia, a nossa realidade aponta um quadro desalentador marcado por circunstâncias que podem perfeitamente ser resolvidas, diminuindo assim, de maneira considerável este lapso temporal interminável que separa a propositura da ação até o trânsito em julgado da sentença. Convém lembrar também que o requisito pertinente à rapidez da prestação jurisdicional foi assinalado no art. 6º da Convenção Européia e art. 14 do Pacto Internacional, no sentido de que o julgamento de uma causa deve realizar-se "em tempo razoável".

O Código de Processo Civil atual instituiu o procedimento sumaríssimo apenas para poucas causas comuns cognitivas. Teoricamente, sua estrutura procedimental que é célere, acabou perdendo sua finalidade maior (a prestação da tutela jurisdicional em 90 dias) porque passou a ser utilizado organicamente por juízes com competência para as demais matérias que já se encontravam envolvidos numa infinidade de processos em tramitação. Resultado: o sumaríssimo como celeridade de rito tomou-se totalmente ineficaz por ter sido, na prática, igualado o seu atendimento aos demais feitos ordinários[27].

Hoje com a criação dos Juizados de Pequenas Causas (Lei n2 7.244/84)[28] e os Especiais (art. 98, I da CF) e com a ampliação das atribuições do Juiz de Paz como conciliador extrajudicial (art. 98, II, CF) - figura esta inspirada no giudici conciliatore italiano e no conciliateurs francês[29] a tendência natural é atenuar, ao menos parcial­mente, esta situação.

Mas a determinação constitucional de criação das Turmas de Recurso compos­tas por juizes togados de primeiro grau (art. 98, I) para revisão das sentenças proferidas pelos juízes especiais precisa ser entendida de maneira a não acumular ambas as funções judicantes, sob pena importar em retardamento da prestação jurisdicional (comum e recursal) ao invés de permitir a agilização e rapidez na solução dos conflitos de interesses[30].

Outra questão é aquela pertinente ao número de recursos, sua forma de proces­samento e o duplo grau de jurisdição. O agravo de instrumento, por exemplo, deve ser reduzido às hipóteses de dano irreparável ou de difícil reparação, com possibilidade de concessão de liminar para sustar o ato impugnado, com a conseqüente eliminação das impetrações de mandados de segurança para obtenção do efeito suspensivo (o que já se tomou rotina nas lides forenses), mantendo-se o agravo retido para os demais casos[31]. Quanto ao duplo grau de jurisdição já assinalou com muita propriedade THEOTONIO NEGRÃO que o CPC atual "Rendeu, assim, tributo ao mito do duplo grau de jurisdição, que se exterioriza pela enganosa afirmativa de que todos devem ter direito ao duplo julgamento, mas esquece o fato de que a demora na distribuição da justiça somente favorece os menos poderosos economicamente"[32].

Com a competência também atribuída aos Estados na Constituição Federal para legislarem em matéria processual, a questão tomou-se mais simples para que possamos com maior brevidade encontrar uma solução para o problema procedimental e de organização judiciária. Faz-se mister e com urgência a adoção de medidas efetivas de ordem processual e procedimental capazes de acelerar a prestação da tutela jurisdicio­nal sob pena de comprometimento da própria distribuição da justiça com a conseqüente denegação indireta e a desestabilização do "Estado de Direito"[33].

A má condução processual por parte de alguns magistrados também é uma realidade que em muito prejudica a tramitação dos feitos. Nossa Lei Instrumental é simples e didática (trabalho invejável realizado pelo saudoso Prof. Alfredo Buzaid) não deixando margem para dúvidas, por exemplo, quando dispõe no procedimento comum ordinário (com aplicação subsidiária aos especiais, onde couber) que o autor se manifestará somente sobre a contestação "se o réu, reconhecendo o fato em que se fundou a ação, outro lhe opuser impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor..." (art. 326) ou então "se o réu alegar qualquer das matérias enumeradas no art. 301..." (art. 327).

Significa dizer que, excluídas estas únicas duas hipóteses, deverá prontamente o magistrado proferir julgamento conforme o estado do processo, extinguindo o feito (art. 329) ou julgando a lide antecipadamente (art. 330), se não for o caso de saneamento com designação de audiência de instrução e julgamento (art. 331). Todavia, constata­mos com muita freqüência a concessão de prazo fora dos parâmetros legais menciona­dos, para que o autor "fale sobre a contestação"???

Em tema de produção de provas, também não deixou o legislador qualquer dúvida no que concerne ao momento de sua especificação: ao autor, na inicial (art. 282, VI) e ao réu na contestação (art. 300). Contudo, a praxe lamentável acabou criando o malsinado "despacho de especificação de provas" que não só é absolutamente procras­tinatório como atenta ainda contra o princípio processual da eventualidade (ou preclu­são). Excluídos estes dois momentos, a única hipótese prevista em lei onde a oportunidade de especificação de provas é medida indispensável encontra-se procla­mada no art. 324, in verbis: "Se o réu não contestar a ação, o juiz verificando que não ocorreu o efeito da revelia, mandará que o autor especifique as provas que pretende produzir em audiência".

Outra questão a ser abordada também é a necessidade de saneamento do feito desde o primeiro contato que o magistrado realiza com a causa, a começar pela análise acurada da petição inicial, de seus requisitos, das condições da ação dos pressupostos processuais. É comum a propositura de ações sem estarem revestidas dos requisitos indispensáveis para sua existência processual válida, o que torna impossível a mani­festação judicial sobre a matéria de fluido. Forma-se assim um processo que, compa­rativamente falando, não passa de um verdadeiro "natimorto", sem qualquer capacidade de "adquirir direitos ou contrair obrigações" para os litigantes.

Caso contrário, todo o mecanismo judicial entrará em funcionamento e nada mais desolador do que o reconhecimento da falta de uma das condições da ação como fundamento de uma sentença após a completa tramitação e instrução do processo.

Instituto jurídico processual que precisa também de mais ênfase e que foi idealizado para oferecer maior rapidez da tutela jurisdicional é o “julgamento anteci­pado da lide", quando o mérito da causa for exclusivamente de direito, ou, sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produzir provas em audiência (art. 330, I). É certo que o bom senso do julgador e seu convencimento pessoal são de suma relevância nesta matéria, sem contar com a possibilidade de cerceamento de defesa.

Contudo, o que não pode se admitir é o que vem ocorrendo em inúmeros casos, em que os magistrados, por motivo de sobrecarga de serviço (mais precisamente de autos conclusos aguardando apenas julgamento) e para não criar um acúmulo ainda maior, preferem remeter a decisão da causa para muito mais adiante, designando uma audiência de instrução e julgamento, muitas vezes apenas para colher alegações finais oralmente ou proceder a juntada de memoriais.

A função do juiz também nas audiências de instrução e julgamento merece uma atenção especial. Primeiramente, o magistrado exerce o papel de articulador da conci­liação entre as partes (arts. 278, 1º e 448), cabendo-lhe a tentativa da composição amigável. Tentar um acordo não significa somente a proposição do mesmo, mas um empenho efetivo do juiz para que a composição da lide ocorra de maneira satisfatória a ambos os contendores (veja-se, por exemplo, a já citada pretrial conference).

Finda a instrução, as alegações devem ser oferecidas oralmente (ou apresen­tadas no mesmo alo em forma de memoriais) e em seguida proferida sentença. No procedimento sumaríssimo a hipótese de oferecimento de alegações fora da audiência não é prevista mas apenas no ordinário e somente quando versar a lide sobre questões complexas de fato ou de direito. Na prática, constatamos o desprestígio do princípio da oralidade, com os juízes concedendo prazo para alegações finais em forma de memoriais e poucos são aqueles que proferem sentença no próprio ato, resultando no atraso da prestação jurisdicional.

Outro aspecto que precisamos também refletir é o que diz respeito ao conteúdo das sentenças. Este é o momento culminante do processo e, inquestionavelmente, deve apresentar-se com uma roupagem capaz de permitir aos jurisdicionados um conheci­mento perfeito dos motivos que levaram o juiz a decidir desta ou daquela maneira. Todavia, constatamos na prática a prolação de sentenças longuíssimas, com relatórios intermináveis, com múltiplas citações doutrinárias e jurisprudenciais e, por outro lado, com pouca fundamentação de caráter pessoal, ou seja, suas próprias e claras convic­ções. O juiz tem se transformado muito mais num compilador de fontes informativas do direito do que num intérprete e aplicador da norma abstrata.

Como é do conhecimento de todos, este trabalho é longo, demorado e estafante, chamada pelos estudiosos italianos de collo di bottiglia. O que interessa para a parte são os motivos que embasaram o convencimento do juiz dentro do contexto fáctico e legal, dando efetivamente a cada um o que lhe é devido. Por isso a tendência de alguns países é simplificar a prestação jurisdicional com um brevíssimo relatório e com uma fundamentação sucinta[34].

Urge também a desburocratização das funções exercidas pelo juiz e a sua descentralização, com aumento das atribuições dos Escrivães Judiciais (mais especi­ficamente as funções ordinatórias dos processos), restando assim maior tempo para os juízes atuarem na prestação da tutela jurisdicional, proferindo basicamente apenas atos de natureza decisória e instrução oral. Sem muito esforço constatamos que os magis­trados passam a maior parte do seu tempo despachando processos, ou seja, proferindo simples atos ordinatórios, do que exercendo sua essencial função que é julgar, compor a lide.

O exemplo que o Direito Processual alemão nos dá é muito poderoso e deve ser adaptado a nossa realidade. Lá, o juiz pratica atos que exigem realmente a sua participação (coleta de prova oral, decisões e sentenças), onde o escrivão (administra­dor judicial), como sujeito do processo tem dentre outras atribuições proferir despachos de expediente, visto de conta e atuação na jurisdição voluntária. Sem dúvida, esta é a única forma de banir definitivamente da prática cartorária forense o chamado "vaivém" dos processos cujo reflexo no atraso da prestação jurisdicional é incalculável.

E não se diga que o juiz terá seu poder de fiscalização dos processos diminuído porque todas as vezes que algum requerimento que demande decisão for formulado pelas partes ou quando da coleta de provas ou nos momentos de saneamento do processo o juiz terá oportunidade de corrigir qualquer irregularidade porventura praticada pelo "administrador judicial" sem que importe em prejuízo aos litigantes[35].

 

4.2. Quanto à função participativa, instrutória e decisória do juiz e a sua credibilidade perante a opinião pública:

Outro aspecto é aquele pertinente ao princípio dispositivo e a intervenção participativa do juiz na produção de provas. A tendência contemporânea da melhor doutrina é de permitir uma maior participação do juiz na coleta das provas para melhor formar sua convicção. Não deve ser simples espectador dos atos processuais das partes, mas um protagonista ativo do drama processual[36].

Neste papel mais ativo, dinâmico e ousado do juiz, nos defrontamos hoje com o tema tão em voga, a chamada justiça alternativa ou, como proferem alguns estudio­sos, direito alternativo. O juiz, em hipótese alguma pode imbuir-se na função de legislador, decidindo de acordo com sua consciência, porque a lei vigente não se adequa a sua formação ética, moral, filosófica ou jurídica. Não deixa dúvidas o CPC em seu art. 126 que determina o magistrado julgar de acordo com as normas jurídicas e, não as havendo, deverá socorrer-se da analogia, dos costumes e dos princípios gerais de direito.

Questionável é a redação do art. 127, pois entendemos que o juiz decidirá sempre com eqüidade, e não somente nos casos previstos em lei (que são poucos). Interpretando este dispositivo de maneira teleológica é possível chegar-se à conclusão de que o legislador procurou impedir (e com razão) a concepção pretoriana romana, qual seja, a equidade como instrumento de construção judicial de nonna de conduta aplicável ao caso concreto. Dentro da concepção aristotélica ela nada mais é do que um processo de aperfeiçoamento da nonna jurídica, onde o juiz procura eliminar as suas possíveis imperfeições ou injustiças.

Nesta linha de pensamento, como bem afirmou MIGUEL REALE, "... nada legitima a revolta do juiz contra a lei, superpondo as suas convicções pessoais às regras estabelecidas pelo Poder Legislativo, cuja soberania é da essência do Estado de Direito.

Uma das conseqüências benéficas dessa juvenil rebeldia seja talvez convencer o legislador processual de que o juiz não pode ser obrigado a recorrer à eqüidade tão-somente quando autorizado pela lei. Deve entender-se, ao contrário, que não poderá haver Justiça concreta sem universal compreensão da eqüidade"[37].

O respeito ao Poder Judiciário e a confiança depositada neste pelo povo está em consonância direta com a natureza social do conteúdo da tutela prestada, da autoridade e da independência do juiz. "Antes das garantias constitucionais e legais, o juiz deve revestir-se das garantias de sua consciência, em nome do prestígio e da força da instituição a que pertencem e que têm de honrar sem intermitências"[38].

Hoje a sociedade tende ao repúdio das autoridades e a credibilidade na justiça diminui à medida em que as sentenças não se materializam com a execução efetiva do "decisum". "Constatamos, entretanto, que essa situação é nefasta para a autoridade do juiz e prestígio da justiça: nefasta para a credibilidade da decisão judicial, porque a opinião pública nem sempre se apercebe da distinção entre a jurisdictio e o imperium, colocando, inevitavelmente, sobre a obra do juiz, todo o peso de sua decepção...; nefasta, enfim, para o jurisdicionado, que acaba por não mais acreditar em coisa alguma...”[39].

 

4.3. Da formação e qualificação técnica dos profissionais do direito:

 

4.3.1. Dos advogados e assistentes jurídicos:

Nos termos do art. 36 do Código Buzaid, "a parte será representada em juízo por advogado legalmente habilitado. Ser-lhe-á lícito, no entanto, postular em causa própria, quando tiver habilitação legal ou, não a tendo, no caso de falta de advogado no lugar ou recusa ou impedimento dos que houver"[40]. Conclui-se sem dificuldade alguma que o acesso ao judiciário está intimamente ligado com o trabalho dos bacharéis em direito regularmente habilitados. Assim, de pouco servirão boas leis processuais, um processo ágil, a máquina do judiciário bem aparelhada e em perfeito funcionamento se o exercício deste direito não for efetivamente orientado e articulado de maneira satisfatória.

Detentores da capacidade postulatória, somente os advogados poderão pleitear em juízo, fazendo valer de fato o direito aos tribunais. Portanto, depositando o Estado nas mãos destes profissionais o condão de pleitear em nome do verdadeiro interessado, o mínimo que se pode esperar é que estejam não apenas habilitados mas também tecnicamente preparados de forma cabal para não colocarem em risco o direito de seus constituintes e o acesso à Justiça.

Mas, infelizmente sabemos todos que estamos diante de uma triste e preocu­pante realidade; os cursos jurídicos proliferam-se pelos quatro cantos do país e o número de bacharéis aumenta anualmente em número inversamente proporcional à qualidade técnica da respectiva formação. Via de regra os currículos das faculdades e universidades deixam a desejar e o nível do corpo docente parece cada vez mais reduzir-se.

A Ordem dos Advogados do Brasil precisa ser mais, ou melhor, muito mais rigorosa na seleção de ingresso destes profissionais em seu quadro. Existem há vários anos os chamados "convênios" firmados entre as universidades e o aludido Órgão que, mediante fiscalização dos professores e advogados, orientam e acompanham os aca­dêmicos dos últimos anos dos cursos jurídicos em seus estágios práticos (atendimento à população carente e relatórios de audiências e sessões dos tribunais), concluindo com uma prova final realizada na própria universidade e que dá direito aos graduandos, se aprovados, a requererem a inscrição imediata junto à OAB. Ocorre que, na prática, estas provas não apresentam dificuldade alguma e; raríssimos são aqueles que não conseguem aprovação.

A situação não é muito diferente quando analisada pelo prisma dos exames realizados diretamente pelo Órgão de classe, cujo índice de reprovação é também baixíssimo em relação ao elevado número de interessados que se submetem ao conhecido "exame de ordem"[41].

O resultado não poderia ser outro senão este espetáculo desastroso que presen­ciamos diariamente nos fóruns e tribunais; a situação é insustentável e precisa ser modificada urgentemente.

A problemática agrava-se ainda mais quando se trata de assistência jurídica gratuita, pois normalmente são os principiantes, com pouquíssima ou nenhuma prática que aceitam exercer esta função, acarretando num sério prejuízo ao direito de ação que fica realmente em "xeque" quando exercido por profissionais desqualificados, tendo em vista que a postulação ou resposta passa a existir apenas formalmente, sem eficácia substancial. Também, pelo mesmo motivo, em virtude deste desequilíbrio de repre­sentação que se forma, o princípio constitucional da igualdade entre as partes (egua­glianza delle armi) deixa flagrantemente de ser observado, em prejuízo do litigante economicamente mais fraco.

Mas já se disse também que "... se é certo que os necessitados não podem ficar desamparados, é também certo que essa assistência não pode ser exigida dos advoga­dos gratuitamente, como simples dever inerente ao exercício da profissão, pois é nesta que têm eles a fonte de rendimento que seu trabalho pode proporcionar; logo, exercendo atuação gratuita, ficam privados de remuneração, o que lhes compromete a própria subsistência (sem falar em despesas inevitáveis para atender o próprio caso grátis)"[42].

A defensoria pública na forma como instituída nos arts. 134 e 135 da nova Constituição Federal certamente reduziu o ângulo de abrangência do problema; mas a questão referente à assistência jurídica gratuita e os parcos honorários fixados por lei em forma de USAJs continuam assombrando estes profissionais do direito, que devem atuar não somente perante o Judiciário mas prestar ainda atendimento preventivo e informativo aos interessados.

Por isso, é preciso que se encontre uma solução rápida para o problema, solução esta capaz de equiparar ou pelo menos reduzir sensivelmente esta diferença que existe entre as tabelas de USAJs e aquela fixada pela própria OAB.

Em síntese, estará o acesso à Justiça prejudicado sensivelmente e, por sua vez o Estado de Direito, se os profissionais que detêm a capacidade postulatória não estiverem bem preparados tecnicamente e os assistentes jurídicos percebendo honorá­rios condizentes com a função exercida.

 

4.3.2. Dos Magistrados e membros do Ministério Público:

Não menos preocupante o que ocorre com o Ministério Público e, em especial, com a Magistratura. Seus membros são frutos de universidades que não correspondem, como já afirmamos, via de regra, a uma boa formação a nível básico de graduação e, com freqüência, alguns candidatos são aprovados em virtude da necessidade de preenchimento de inúmeras vagas (selecionados os "menos ruins") e que, depois de ingressarem, passam a atuar com competência plena, enfrentando situações práticas quase que intransponíveis para um principiante (notadamente se estiver despreparado), culminando este contexto com o agravamento que se dá após a aquisição da vitalicie­dade, cujo resultado que realça é o raríssimo afastamento dos juízes de suas funções, por deficiência técnica, de operosidade ou intelectual.

Parte da questão foi resolvida pelo constituinte ao incluir dentre os requisitos para ingresso na magistratura a realização de cursos oficiais de preparação dos candidatos (inc. IV do art. 93 da CF). Porém, acreditamos tratar-se de apenas uma faceta da problemática que exige ainda o ataque em outros pontos também não menos vitais.

O aprimoramento dos membros do Judiciário encontra-se fulcrado na Escola da Magistratura que deve não apenas suprir as deficiências dos cursos de graduação como também transmitir aos futuros integrantes do Poder uma concepção mais científica do direito, sua função social harmonizada com a judicante, além de um panorama realista da instituição.

Citando ABELARDO ALGORAMARCO e BRUNO OPPETT lembra MONIZ DE ARAGÃO que "... Na Espanha, 'os candidatos aprovados desenvolvem, na Escola Judicial, criada por Lei de 18 de dezembro de 1956, três cursos semestrais, com a duração máxima de dois anos, recebendo ensinamentos de caráter teórico e prático, dados por um professorado selecionado entre catedráticos universitários e membros da própria carreira judicial'. Na França 'os magistrados são recrutados através de concurso e em seguida recebem, na Escola Nacional da Magistratura, uma formação, que se estende por vinte e oito meses e compreende dois períodos: um consagrado a estágios; outro reservado ao aprendizado de matérias jurídicas, econômicas e so­ciais..."[43]. Poderíamos mencionar também a Itália, onde os magistrados após subme­terem-se a um concurso público de provas e títulos realizam um estágio preparatório de dois anos, desenvolvido em forma de acompanhamento a um juiz de determinado Tribunal, na qualidade de uditore, desprovido de jurisdição, com finalidade única de realizarem aprendizado teórico-prático.

JOSÉ RENATO NALINI menciona o projeto que está sendo estudado pelo Judiciário Paulista no sentido de ampliar o trabalho da Escola de Juízes para um período de seis meses após a aprovação dos candidatos (serviço de recrutamento e reciclagem), que como muito bem aponta, "... servirá para conhecer melhor o candidato, aferir sua aptidão para o cargo, ministrar-lhe os primeiros instrumentos de desempenho funcio­nal e obviar os inconvenientes que, hoje, surgem logo nos primeiros meses da judica­tura.

Grande parte dos problemas que a Justiça enfrenta com aqueles que, na prática, vão se mostrar inaptos, pode ser eliminada no contato permanente com os magistrados mais experientes e com técnicas a serem desenvolvidas pela Escola da Magistratu­ra”[44].

Também os cursos de aperfeiçoamento dos magistrados são hoje uma exigência constitucional que serve para atualização jurídica dos membros do Poder Judiciário o que reflete numa prestação jurisdicional de melhor qualidade e, indiretamente, confe­rindo maior confiança aos jurisdicionados, além de servir como requisito para as promoções na carreira (art. 93, II, b e inc. III)[45].

 

V - CONCLUSÃO (TESES-SUGESTÕES)

Em seguida apresentaremos algumas sugestões a título de conclusão sobre o tema escolhido para estudo, salientando, todavia, que são algumas idéias lançadas, como dissemos no início desta exposição, sem preocupação dogmática, mas de ordem sobretudo prática numa tentativa modesta de minimizar as dificuldades ainda encon­tradas pelo povo para o exercício do direito à administração da justiça.

 

a) Sobre a origem constitucional do principio de acesso ao Judiciário:

1. O acesso ao Judiciário é garantido constitucionalmente a todos, de maneira ampla e incondicional e intimamente ligado com o equilíbrio do Estado de Direito, que para configurar-se plenamente requer a remoção de obstáculos de ordem burocrática, instrumental, técnica e administrativa para que se concretize de maneira efetiva.

2. O acesso à administração da justiça, como princípio fundamental que fixa a relação entre jurisdicionados e a jurisdição, deve estar revestido de todas as garantias fácticas e de direito para o seu perfeito e pleno exercício.

 

b) Quanto à rapidez na prestação jurisdicional:

3. Reformulação do procedimento sumaríssimo, com ampliação da matéria que pode incidir neste rito processual.

4. As leis estaduais que instituírem os Juizados Especiais devem adequar O procedimento sumaríssimo às necessidades e realidades de cada Estado, criando cargo de juízes especiais com competência exclusiva para estas causas.

5. As Turmas de Recurso devem ser compostas por juízes de última entrância ou, quando não for possível por magistrados das últimas entrâncias e escolhidos pelos membros que compõem o Tribunal Pleno, através de critério alternativo de antiguidade e merecimento.

6. Os juízes que integrarem as Turmas de Recurso não poderão exercer outra função judicante cumulativa.

7. As Turmas de Recurso devem ser dotadas com serventuários próprios e com dedicação exclusiva para estas funções.

8. Redução do agravo de instrumento às hipóteses de dano irreparável ou de difícil reparação, com possibilidade de sustação do ato impugnado, o que eliminaria a interposição de mandados de segurança para a obtenção do efeito suspensivo, manten­do-se o agravo retido para os demais casos.

9. Alteração da forma de processamento dos recursos e restrição do princípio do duplo grau de jurisdição.

10. Devem ser banidos os malsinados despachos de "especificação de provas" e "fala sobre a contestação" fora daquelas hipóteses não previstas no Código de Processo Civil.

11. Faz-se mister que se dê uma maior ênfase ao instituto do julgamento conforme o estado do processo e, em especial, ao julgamento antecipado da lide.

12. Maior atenção ao princípio da oralidade no sentido das partes apresentarem na própria audiência suas alegações finais com a subseqüente prolação da sentença, ficando somente os memoriais e o decisum em gabinete para as hipóteses de real complexidade da causa.

13. Desburocratização e descentralização das funções exercidas pelos juízes com a ampliação das atribuições dos escrivães ("administradores judiciais"), através da prática de atos meramente ordinatórios.

14. O instituto processual da arbitragem, da forma como está prevista no atual CPC toma praticamente inviável a sua utilização. Este instrumento de solução rápida de conflitos precisa dinamizar-se pelos moldes e princípios inspiradores dos Juizados de Pequenas Causas e com a dispensa ou simplificação do ato homologatório.

 

c) Sobre a função participativa, instrutória e decisória do juiz:

15. Não afronta ao princípio dispositivo a intervenção participativa do juiz na produção das provas, que deve ser o protagonista ativo do processo.

16. A eqüidade é princípio intrínseco da prestação da tutela jurisdicional e deve ser entendida como meio de adequação da norma jurídica aos casos concretos, capaz de permitir ao aplicador do ditei to eliminar suas possíveis imperfeições ou injustiças, sem contudo sobrepor-se a ela.

17. A má condução do processo por parte de alguns magistrados através de ordinamentos protelatórios e a aplicação errônea do direito desvinculada de sua natureza social não só prejudica a rápida solução do litígio como também faz diminuir a credibilidade do Judiciário perante a opinião pública.

18. Nos casos expressos em lei, deve o juiz exercer efetivamente o papel de verdadeiro articulador da conciliação entre as partes através da tentativa de composição amigável, pondo fim ao litígio com maior celeridade, sem que resulte do processo vencedores ou vencidos.

19. A sentença para que atinja a sua finalidade não necessita ser muito extensa, pois o que vale é a adequação perfeita da nonna abstrata ao caso concreto, externada pela fundamentação e interpretação dada pelo julgador.

20. O saneamento do feito deve ser realizado desde o momento do recebimento da inicial e paulatinamente em todas as oportunidades em que os juízes mantiverem contato com os autos, evitando assim nulidades insanáveis ou falta de alguma das condições da ação ou pressupostos processuais, constatados apenas posteriormente.

 

d) Quanto à formação e qualificação técnica:

21. Indispensável se toma uma fiscalização rigorosa dos cursos de graduação em ciências jurídicas, onde a qualidade de ensino tem decaído notoriamente, a fim de que o nível dos profissionais da área não importe em graves ou irreparáveis danos à realização do direito através do comprometimento do acesso à Justiça.

22. É salutar a manutenção de convênios firmados entre as faculdades e a OAB para a realização de estágios supervisionados. Todavia, nem mesmo as provas finais realizadas no "curso de estágio" poderão substituir o "exame de ordem" a ser realizado diretamente junto ao órgão de classe.

 

d.1 - dos procuradores das partes:

23. Detentores da capacidade postulatória, somente os advogados têm o condão de pleitear em juízo, razão pela qual o mínimo que se pode esperar é que estejam não apenas habilitados mas também tecnicamente preparados de forma cabal para não colocarem em risco o direito de seus constituintes e o acesso à Justiça. Para tanto, o ingresso no quadro da Ordem dos Advogados do Brasil necessita ser feito através exames absolutamente sérios e rigorosos contando inclusive com a participação de membros do Poder Judiciário e do Ministério Público na banca examinadora.

24. Como garantia fundamental e constitucional, a assistência jurídica é muito mais ampla que a judiciária, pois não só funciona como ponto de ligação entre a população com recursos financeiros insuficientes e o Judiciário, mas também de forma consultiva e informativa, indispensável, portanto, de maneira concreta, efetiva e atuante no Estado de Direito.

25. Criação de um fundo destinado a cobrir a diferença dos honorários recebidos pelos assistentes jurídicos tendo em vista que, atualmente, o quantum percebido por eles fixados através das USAJs encontra-se totalmente divorciado da realidade dos trabalhos prestados. Assim como a todos os que comprovadamente necessitam nomeia-­se um assistente jurídico, gratuitamente, não menos verdadeiro e justo é que estes profissionais vivem da advocacia e merecem receber honorários condizentes com a função exercida.

26. Em atenção ao princípio constitucional do amplo acesso ao Judiciário e da igualdade e equilíbrio que dele decorrem e que deve reinar entre as partes, é impres­cindível que sejam nomeados procuradores competentes e atuantes, sob pena de comprometimento do direito à administração da justiça e da igualdade entre as partes.

 

d.2 - dos magistrados:

27. Para que o acesso à Justiça se complete com a segurança que deve reinar no espírito dos jurisdicionados na obtenção de uma sentença "justa", faz-se mister que os magistrados possuam formação ética, moral, filosófica, social e científica. Para tanto, imprescindível que todos os candidatos inscritos tenham cursado a Escola da Magis­tratura cuja finalidade se estende desde o suprimento das deficiências da graduação até o questionamento mais profundo dos principais institutos jurídicos e de conscientização institucional.

28. Após a aprovação no concurso de provas e títulos, a colocação e permanência dos novos juízes substitutos em regime exclusivo de cooperação, pelo período de dois anos, com juízes de última entrância e alternativamente em varas de competência cível e criminal, com exceção das férias forenses, oportunidades em que substituiriam os titulares.

29. Durante os primeiros seis meses, a Escola da Magistratura deve ministrar ainda um curso intensivo e dirigido às questões de ordem prática, ética, funcional e administrativa.

30. Criação de cargos de Juízes Corregedores com função exclusiva de orien­tação dos magistrados em estágio probatório e de avaliação detalhada de sua produti­vidade, qualidade de trabalho e conduta moral.

31. Para os magistrados vitalícios, é indispensável a realização de freqüentes cursos de atualização além dos encontros de grupos regionais para discussão e estudo de temas de relevância prática e jurídica.


* XII Congresso Brasileiro de Magistrados – Belo Horizonte – MG

** Juiz de Direito em Santa Catarina – Professor Titular de “Teoria Geral do Processo” – UNOESC – ex-Professor da Escola Superior da Magistratura – Pós-graduado pela “Università Degli Studi Milano”.

1  JERING, Rudolf Von. In A Luta pelo Direito, págs. 67/68. Trad. Richard Paul Neto, Ed. Rio, 1978, Rio de Janeiro.

[2] Poucos não são os estudiosos do nosso direito que precedentemente já dedicaram seu tempo para análise do problema. Apenas exemplificativamente veja-se: ALCIDES DE MENDON­ÇA LIMA, in "Rev. Bras. Dir. Proc.", vol. 17, v. Fillalidade do Processo, págs. 13 e segs.; ROGÉRIO LAURIA TUCCI, in "Rev. de Proc.", vol. 52, v.Jurisdição, Ação e Processo Civil - Subsídios para a Teoria Geral do Processo, págs. 7 e segs.; VOLNEI IVO CARLIN in "Jurisp. CaL", vol. 30, v. O papel do juiz. na sociedade moderna, págs. 29 e segs.; JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, in "Rev. Bras. Dir. Proc.”, vol. 42, v. Tendências contem­porâneas do Direito Processual Civil, págs. 35 e segs.; CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO in "Rev. Forense", vol. 288, v. Os institutos fundamentais do direito processual, págs. 53 e segs.; ADA P. GRINOVER, A. C. DE ARAÚJO CINTRA e C. R. DINAMARCO, in Teoria Geral do Processo. Ed. Rev. dos Trib., 1991, São Paulo; dentre tantos outros não menos ilustres juristas.

[3] Sobre o assunto, v. o excelente estudo de STUART B. SCHWARTZ, in A Burocracia e Sociedade no Brasil Colonial, Trad. Maria Helena Pires Martins. Ed. Perspectiva, 1979, São Paulo.

[4]  LIMA, Alcides de Mendonça. Art. cit., pág. 26.

[5] Já dizia o Pe. Antonio Vieira: "Três dedos com uma pena na mão é o oficio mais arriscado que tem o governo humano ... Quantos delitos se enfeitam com uma penada? Quantos merecimentos se apagam com uma risca? Quantas famas se escarecem com um borrão?" (cf. cit., Schwartz, pág. IX.

[6] Neste mesmo diapasão ensina Barbosa Moreira:" Se o processo é instrumento de realização do direito material, o seu funcionamento deve situar- se a uma distância mínima daquele que produziria a atuação espontânea das normas substantivas, e já constitui uma desgraça a impossibilidade de fazer coincidir precisamente um e outro. Ora a importância do direito de ação consiste em que, de ordinário, a existência mesma do processo depende de que alguém se disponha a exercitá-la ... " (Art. cit., pág. 37).

[7] É discutível sua identificação com o direito de petição. DINAMARCO faz nítida distinção entre o "direito de ação" e o "direito de petição" e diz que seus objetivos são diversos e apresentam-se inseridos de maneira diferente no sistema do exercício do poder, não deixando de registrar também o peso da opinião contrária de EDUARDO JUAN COUTURE: "... O direito constitucional de petição liga-se à defesa de direitos individuais ou coletivos perante a autoridade pública como precedente da representação popular e confinando com o direito de representação ... " (Rev. cit., pág. 70).

[8] LIEBMAN, Enrico Tullio. in Manuale di Diritto Processuale Civile, vol. I, pág. 228, Giuffrè, 1968, Milano.

[9] MARQUES, José Frederico. in Manual de Direito Processual Civil, vol. I, pág. 19, Saraiva, 1990, São Paulo.

[10] O direito de ação foi contemplado pela primeira vez em texto constitucional no Brasil com a Carta de 1946, através do art. 141, § 4º e, na Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela Assembléia Geral da ONU, em dezembro de 1948, com o seguinte teor: "Toda pessoa tem direito, em condições de plena igualdade, de ser ouvida publicamente e com justiça por tribunal independente e imparcial para a determinação de seus direitos e obrigações ou para o exame de qualquer acusação contra  ela em matéria penal".

[11] LIEBMAN. Ob. cit., pág. 10, ed. 1984.

[12] GRINOVER, Ada P. in Os Princípios Constitucionais e o Código de Processo Civil, pág. 7, José Bushatsky, 1975, São Paulo. Como bem assevera a culta Professora, não se trata de um ramo autônomo do direito processual, mas sim uma colocação científica, abrangendo de um lado a tutela constitucional dos princípios fundamentais da organização judiciária e do processo; de outro lado, a jurisdição constitucional. Distinto do Direito Constitucional Processual que cuida das normas de processo contidas na Lei Maior (pág. 8). V. também sua obra com DINAMARCO E CINTRA, cit., págs. 76/77. Veja-se ainda a lição de SALVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA in Rev. Forense, v. "O Processo Civil na Nova Constituição", pág. 196, onde inclusive divide os princípios que informam o Direito Processual Civil em três grupos: os que informam a elaboração da norma; o procedimento e o processo propriamente dito.

[13] THEODORO JR. Humberto. in Rev. de Processo, vol. 23, v. "Princípios Gerais do Direito Processual Civil", pág. 179.

[14] CHIOVENDA, Giuseppe. in Principii di diritto processuale Civile, parágs. 13 e segs., 1923, Napoli e Istituzioni di Diritto Processuale Civile, vol. II, págs. I e segs., 1936, Napoli.

[15] LIEBMAN. Ob. cit., pág. 6, 1984.

[16] A este respeito, já escreveu o Prof. ALCIDES DE MENDONÇA LIMA: "Desde que a Constituição garante o direito à prestação jurisdicional - no sentido estrito técnico -, é óbvio que a legislação ordinária tem de oferecer aos indivíduos os diplomas necessários para o devido exercício daquela função estatal ... " (in Rev. cit., pág. 22)

[17] GRINOVER, DINAMARCO e CINTRA. Ob. cit., pág. 78.

[18] Para um estudo mais aprofundado das mudanças, v. SALVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, art. cit., págs. 195/199 e GRINOVER, DINAMARCO e CINTRA. Ob. cit., págs. 35/37 e 75/81.

[19] Escreve. LIEBMAN: "Una branca del diritto e perciò appunto destinata al compito di garantire l'efficacia pratica effetiva dell'ordinamento giuridico, mediante I'istituzione degli organi pubblici che provvedono ad attuare questa garanzia, con disciplina di modalità e forme delta loro attività. Questi organi sono gli organi giudiziari; la loro attività si chiama da tempo immemorabile giurisdizione ('iurisdictio ') ... " (in Manuale, pág. 3, 1984.

[20] DINAMARCO. Art. cit., pág. 66.

[21] LIEBMAN. In Scritti Giuridici in Onore di Francesco Carnelutti, vol. Séc. Diritto Processuale, v. L'azione nella teoria del proceso civile. Cedam. 1950, Padova.

[22] Veja-se a este respeito a colocação feita por HUMBERTO THEODORO JR. baseado no jurista italiano DOMENICO BARBERO (in art. cit., pág. 174).

[23] EDUARDO JUAN COUTURE. in Fundamentos do Direito Processual Civil. Trad. Rubens Gomes de Souza, págs. 41 e segs., 1946, São Paulo. Não deixa, todavia, de aproximá-lo do "direito de petição", o que ainda hoje não é pacífico, neste particular, entre muitos doutrina­dores nacionais e estrangeiros.

[24] GRINOVER. in Os Princípios, ob. cit., pág. 6.

[25] CARMONA, Carlos Alberto. In Revista de Processo, vol. 56/91, v. "A crise do processo e os meios alternativos para solução de controvérsias".

[26] MOREL, René. In Traité Élementairede Procédure Civil, pág. 3, 1948, Paris (cf. cit., MONIZ DE ARAGÃO, art. cit., pág. 80).

[27] Esta mesma questão já foi muito bem salientada pela Profª. ADA GRINOVER há nove anos atrás quando bem claro deixou que o sumaríssimo criado com o CPC de 1973 não obteve sucesso porque a competência para processá-lo foi atribuída aos mesmos juízes que continua­ram julgando os feitos de rito ordinário. (in O Estado de São Paulo de 14/11/82, pág. 56).

[28] Muito limitada e acanhada a Lei que instituiu o Juizado de Pequenas Causas, não obstante o mérito que se deva reconhecer a uma iniciativa de agilização da prestação jurisdicional. De caráter opcional e destinado apenas às causas patrimoniais cujo conteúdo econômico não ultrapassasse 20 vezes o maior salário mínimo vigente no País, e com objeto reduzidíssimo (art. 3º) e legitimidade ativa muito restrita (art. 8º), sem contar que a parte vencedora precisa obter a execução do julgado perante o juízo ordinário competente (art. 40).

[29] Para CARLIN, "Essas novidades alienígenas constituem comprovações indiscutíveis do declínio da função jurisdicional", in Jur. Cat., vol. 38/33, v. "Magistrado Moderno: Suas dificuldades de afirmação".

[30] Por exemplo, inaceitável a solução encontrada em Santa Catarina, através da Lei nº. 8.151, de novembro do ano passado, que instituiu os Juizados de Especiais de causas cíveis e as Turmas de Recurso (regionais, em número de onze) composta por três juízes com funções jurisdicionais cumulativas (o juízo monocrático e o colegiado). Significa dizer, em outras palavras, que o problema não foi resolvido; muito pelo contrário, reduziu apenas a competên­cia recursal do Tribunal de Justiça e ampliou sobremaneira a carga de trabalho dos juízes de primeira instância (que já se encontravam em situação caótica pelo elevadíssimo volume de processos), e que agora devem ainda arcar com os julgamentos em grau de recurso. Lembra-se mais uma vez a antiga relação da Bahia e a situação do nosso Brasil colônia, em que o Tribunal foi aqui instituído para resolver os problemas pel1inentes à rapidez recursal (pois todos os apelos eram dirigidos à Casa da Suplicação e ao Desembargo do Paço, em Portugal), mas incoerentemente seus poucos membros (apenas 10) cumulavam funções burocráticas outras que exigiam um constante afastamento de suas atribuições fundamentais na Relação (cf. SCHWARTZ. Ob. cit., pág. 136).

[31] Neste Sentido v. THEOTONIO NEGRÃO in Rev. dos Tribs., vol. 629, pág. 281, v. "Reforma do Processo e da Organização Judiciária" e Min. Hélio de Meio Mosimann in Jur. Cat., vol. 30/59 e segs. v. "A rapidez na prestação jurisdicional e as leis processuais civis" - Trabalho apresentado no VIII Congresso Brasileiro de Magistrados, em Manaus, 1980.

[32] NEGRÃO. Art. cit., pág. 280.

[33] O Prof. MONIZ DE ARAGÃO cita dois exemplos em que, com pouco esforço, foi possível em outros países alcançar uma prestação jurisdicional mais rápida: a ocorrida nos Estados Unidos da América, em 1930, com a criação da pretrial conference, mais precisamente uma audiência preliminar em que os juizes debatem com os advogados das partes para limitar a matéria da audiência preliminar; a da Alemanha, conhecida como modelo de Stuttgard, com a simplificação processual, com base escrita inicial mais breve e com possibilidade de levá-lo com 'maior rapidez à audiência (in alto cit., págs. 79/80).

[34] Dentre as soluções encontradas pela Commissione di Giustizia que estuda a reforma do Código de Processo Civil italiano, uma das propostas para diminuir o atraso da prestação jurisdicional é a simplificação da sentença, "... in forma di ordinanza appare una soluzione equilibrata al problema rappresentato da quello che molti ehiamano il collo di bottiglia e cioè la redazione della motivazione ... " ("Proposta di Norma Transitaria - 1989"). As sentenças concisas também são características no processo inglês.

[35] Sobre o assunto salientamos o estudo realizado pelo Prof. FRANCISCO DE PAULA XAVIER NETO in AJURIS, vol. 29, págs. 211 e segs. v. "Notas sobre a Justiça na República Federal da Alemanha". Também a posição de DURVAL DA FONSECA FRAGA in Boletim Informativo Bonijuris, 1991, v. "Processo Ágil" onde alude inclusive o Provimento nº. 03/90 de 31/01/90, publicado no DJ de 07/02/90 da Corregedoria Geral da Justiça do Rio Grande do Sul. V. também o Anteprojeto do Ministério da Justiça, publicado no DOU de 17/12/85 e o substitutivo apresentado pela Comissão instalada pela Direção da Faculdade de Direito da UFRGS, transformado em anteprojeto, adotado agora pela Comissão Especial coordenada pelo Presidente da AMB que incorpora o 4º ao alto 162 do atual CPC, in verbis: "Os atos meramente· ordinatórios, como a juntada e· vista obrigatória, não dependem de despacho, devendo ser praticados de ofício, pelo Escrivão, cujos erros o juiz corrigirá".

[36] GRINOVER, DINAMARCO e CINTRA. Ob. cit., pág. 37.

[37] REALE, Miguel. in Folha de São Paulo de 31/07/91. v. "A Justiça Alternativa".

Com referência a esta questão o Pretório Excelso assim já se manifestou: "Não pode o juiz. sob alegação de que a aplicação do texto da lei à hipótese não se harmoniza com o seu sentimento de justiça ou equidade, substituir-se ao legislador para formular ele próprio a regra de direito aplicável. Mitigue o juiz o rigor da lei, aplique-a com equidade e equanimi­dade mas não a substitua pelo seu critério." (STF - RBDP 50/159).

Por sua vez, entende CARLIN que se na convicção íntima do juiz a lei é injusta ou que constitui expressão de uma dominação de classe, ele deve adaptá-la à realidade social, servindo sua jurisprudência como nova proposta ou sugestão de reforma (in Jur. Cat. vol. 39, pág. 37, v. "Ingerência do juiz na função legislativa").

[38] MENDONÇA LIMA. Art. Cit., pág. 25.

[39] CARLIN. In Jur. Cat. Vol.39, págs. 45 e 48. “O Papel do Juiz”.

[40] A Lei nº 7.244/84 que dispõe sobre os Juizados Especiais de Pequenas Causas permite em seu art. 9º a postulação direta da parte interessada, facultando-lhe o acompanhamento de advogado habilitado. Todavia, como é sabido, a competência destes Juizados é muito restrita, não só em razão da matéria como também pela qualidade de parte (art. 8º).

[41] O problema foi resolvido na Itália de duas maneiras: a primeira, colocando como requisito para os candidatos obterem seus requerimentos de inscrição deferido para prestarem o concurso de ingresso no quadro dos advogados, um estágio mínimo de dois anos num escritório de advocacia, após a conclusão da universidade (laureati); a segunda, realizando provas rigorosas de seleção que se comparam em grau de dificuldade àquela realizada pelo Estado para ingresso na Magistratura

[42] MONIZ DE ARAGÃO. Art. cit., pág. 82.

[43] Idem, págs. 84/85.

[44] NALINI, José Renato. In Folha de São Paulo de 16/06/91. v. "Como é possível se livrar do mau juiz".

[45] Com razão CARLIN quando afirma que "... A formação técnica (30) se aperfeiçoa quando, uma vez estabelecida, se consegue criar uma vantajosa e estimulante proteção às carreiras particularmente brilhantes (31). Modernamente, os juizes deveriam ser guiados, na prática, por conhecimentos também de filosofia, sociologia e metodologia jurídica; só assim pode­riam eles melhor compreender e satisfazer, verdadeiramente, as necessidades de nossa sociedade..." (in Jur. Cat., vol. 39/41-42.)