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REFLEXÕES EM TORNO DA TUTELA ANTECIPATÓRIA GENÉRICA DIFERENCIADA SATISFATIVA. A QUESTÃO DE SUA APLICABILIDADE AOS PROCEDIMENTOS ESPECIAIS

     O cuidado da nossa melhor doutrina e jurisprudência a respeito da efetividade do processo civil e a rapidez na prestação da tutela jurisdicional, fez surgir um verdadeiro "movimento" nacional em prol de inúmeras modi­ficações do Código de Processo, cujo efeito primeiro que se fez sentir foi a cri.ação de uma Comissão de notáveis juristas com o fito de encontrar algumas soluções para esta tão problemática e delicada questão.

     Logo depois, vieram à tona vários Anteprojetos e Projetos de lei[1] desburocratizantes, que passaram a ser analisados e, com as sucessivas aprovações, integraram paulatinamente o Código de Processo Civil (p. ex. a Lei 8.455/92, sobre a prova pericial; a Lei 8.710/93, que instituiu a intimação pelo correio; Lei 8.898/94, que dispõe sobre a liquidação de sentença).

    Mas a preocupação da comunidade jurídica pensante e do legislador não se limitou a essas alterações. Recentemente o Código sofreu a maior reformulação de sua história, devido à modificação de nada menos do que oitenta e quatro dispositivos, com o advento das Leis 8.950, 8.951 e 8.952, todas de 13 de dezembro de 1994 (publicadas no D.O.U. de 14/12/94).

    Parece-nos que a mais significativa novidade - ao menos no que diz respeito ao tema do nosso estudo - tenha sido aquela que introduziu modificações substanciais no tradicional sistema procedimental da ordina­riedade, ao romper com o ultrapassado regime romano-canônico enraizado no Direito luso-brasileiro, o qual até então impedia os juízes de decidirem com base em mera verossimilhança.[2]

    Logicamente estamos falando da nova redação conferida ao art. 273 do CPC que permite ao juiz, mediante requerimento da parte interessada, “... antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca da verossimilhança da alegação e: I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu ...”.[3]

    Vê-se, pois, que estamos diante de uma espécie de tutela sumária antecipatória satisfativa, tendo em vista que se trata de medida orientada à satisfatividade fáctica da pretensão. Em outras palavras, de acordo com o pensamento de FRITZ BAUR, poderíamos enquadrar essa medida no gru­po de casos "... em que não se pode pensar senão em um provimento que tenha por conteúdo aquela conseqüência jurídica que é dada pelo direito material, ou que satisfaça o fim da providência regulada”.[4]

    A técnica de cognição sumária acolhida pelo legislador no artigo 273 é aquela denominada pelos italianos de tutela giurisdizionale differenziata[5], porquanto representa nada menos do que a possibilidade de o Estado­-juiz vir a conceder previamente, isto é, antes da decisão definitiva (senten­ça), a proteção satisfativa antecipatória da pretensão perseguida através da demanda' que será determinada ou conhecida discriminadamente de acordo com o tipo de providência de direito material postulada pelo autor, caso a caso.

    Em outras palavras, tutelas jurisdicionais diferenciadas são aquelas adequadas às diversas pretensões de direito material, visando a permitir o ajustamento da ação processual à ação de direito material. "É que, levando-­se em conta a pretensão de direito material, torna-se possível concluir, através da adequação da cognição que lhe é própria, qual a forma de tutela que lhe é mais compatível”.[6]

    Poderíamos perfeitamente adequar os ensinamentos da doutrina ita­liana às hipóteses do art. 273 do CPC e seguir o "sentiero" de FEDERICO CARPI para afirmar que se trata de tutela de urgência satisfativa interinal. Essa medida, na verdade, realiza-se por intermédio de providências emanadas da autoridade judiciária, em forma de decisão prolatada no curso e em juízo de cognição comum. Tais providências são dirigi das não só para garantir o êxito daquele juízo, mas sobretudo para assegurar a imediata realização da situação tutelada, total ou parcial, mas sempre provisoriamente.[7]

    Diríamos então que "No caso do inc. I do art. 273 estamos diante da tutela antecipatória urgente, a qual sempre foi prestada sob o manto protetor da tutela cautelar. Trata-se da tutela que pode realizar antecipa­damente o direito afirmado - ou simplesmente antecipar parcialmente os efeitos da tutela final  em virtude de perigo na demora. A tutela, no caso, é satisfativa no plano fático, pois realiza o direito antecipadamente. Não é tutela cautelar porque esta deve limitar-se a assegurar a viabilidade da realização do direito afirmado. Ora, na tutela cautelar há sempre referibi­lidade a um direito acautelado, enquanto que na tutela sumária satisfativa não há esta referibilidade, já que nenhum direito é protegido ou acautela­do.

    "Por outro lado, o inc. II coloca ponto final nas discussões acerca da possibilidade da concessão de liminar antecipatória urgente no proce­dimento comum. O 'abuso do direito de defesa' ou o 'manifesto propósito protelatório do réu’.[8]”

    O dispositivo ora enfocado, para vir a ser aplicado adequadamente no plano procedimental, deve ser interpretado sistematicamente através do parágrafo único do art. 272[9], o qual preconiza a regência própria aos feitos que tramitam sob égide dos ritos especial e sumário, cuja incidência das disposições gerais do procedimento ordinário dá-se tão-somente em nível subsidiário.

    Importa dizer que apesar do art. 273 encontrar-se insculpido nas disposições gerais do Título VII que versa sobre o processo e o procedi­mento bem como localizado no Livro I (Do processo de conhecimento) o qual serve também em nosso sistema como parte geral, não encontrará ampla e irrestrita aplicabilidade a todos os tipos de processo, em que pese esse dispositivo deixar de fazer qualquer ressalva nesse sentido. Mas, na verdade, tal ressalva seria até despiciente, porquanto a melhor doutrina, a respeito da hermenêutica jurídica é uníssona na assertiva de que a boa interpretação se faz por intermédio da utilização dos vários métodos e em conjunto, razão pela qual não podemos considerar a exegese isolada e literal do art. 273, mormente pelo fato de apresentar peculiaridades que se concre­tizam na satisfação antecipada da pretensão articulada pelo autor, mediante providência judicial sumária.

    Não estamos afirmando com, essa colocação - e é bom esclarecer desde já - que o art. 273 não encontrará, em tese, ressonância em todas as ações de conhecimento[10]. O que se faz mister, isto sim, é que estabeleça­mos os limites, os respectivos contornos e distinções relativos à "causa petendi" nas diversas demandas, e, em particular, no tocante àquelas que o próprio sistema prevê um rito especializado, devida e previamente apro­priado às respectivas situações, com viabilidade jurídica de antecipação dos efeitos fácticos da tutela definitiva.

    Segundo CALMON DE PASSOS, "... Se a antecipação é possível no processo de conhecimento, ela o é por 'disposição geral: donde ser extensível, subsidiariamente. ao procedimento sumário (antigo sumaríssi­mo) e aos especiais, salvo havendo absoluta incompatibilidade". Ao nosso ver, o cerne de toda a questão reside, justamente, em pinçar do sistema qual ou quais sejam as ditas "incompatibilidades[11]"; por certo trata-se de tarefa nada fácil, mas que se faz necessária, sob pena de cairmos numa medíocre, inaceitável e equivocada generalização a respeito da aplicação do novo dispositivo legal.

    Algumas ações já encontravam, mesmo antes da aludida reforma, no próprio sistema do Código ou da legislação extravagante, ressonância per­tinente à antecipação de tutela, v. g., nas demandas interditais, embargos de terceiro, mandado de segurança, ação civil pública, no Código do Consumidor etc.

    A respeito da incidência do art. 273 aos feitos de rito especial, faremos uma análise mais detalhada em relação às ações possessórias e reivindicatórias, não obstante o raciocínio desenvolvido encontrar aplica­bilidade nos demais processos.

    As ações interditais que têm por objeto a tutela da situação possessó­ria cuja moléstia à posse data de menos de ano e dia, encontram sustentácu­lo instrumental bem definido em termos de especialização do procedimen­to. É o que se depreende com meridiana clareza através do art. 523 do Código Civil e arts. 924 e 928 do Código de Processo Civil.

    O rito especial deferido pela norma ao possuidor perturbado na situação fáctico-potestativa em período inferior a ano e dia, consiste, em síntese, na possibilidade jurídica de obter antecipadamente a tutela jurisdi­cional perseguida, satisfazendo no plano do mundo dos fatos a sua preten­são. Se O sistema prevê regulamentação procedimental específica à tutela de determinadas situações, a mesma deve ser aplicada inexoravelmente, por se tratar de norma de ordem pública.

    Assim sendo, versando a hipótese sobre moléstia à posse praticada no período não superior a ano e dia, têm lugar as utilizações dos remédios interditais de força nova, não podendo o autor optar pela ação possessória com procedimento comum (ordinário ou sumário) e, concomitantemente articular pedido de antecipação da tutela juris-satisfativa, com fulcro no art. 273, inc. I.

    Pelos mesmos motivos, se decorrer o prazo decadencial já mencio­nado sem que o interessado tenha ajuizado tempestivamente a ação posses­sória de rito especial, não poderá, a princípio, socorrer-se da proteção sumária estatuída no art. 273, inc. I, com o escopo de obter o mesmo resultado (antecipação da tutela de reintegração ou manutenção de posse) e ancorado em idêntica causa de pedir (próxima e remota).

    Diante da previsão expressa de concessão de tutela interdital urgen­te, por intermédio de procedimento especial, a obtenção deste resultado satisfativo importaria em inaceitável burla ao próprio sistema. Importa dizer que se o autor não teve necessidade urgente de, no prazo de ano e dia, recuperar ou manter-se liminarmente na posse do bem objeto de esbulho ou turbação (o que seria de manifesta evidência), com maior razão, não apre­sentará interesse jurídico algum em atingir o mesmo resultado, desta feita por intermédio de vias transversas, utilizando-se do contido no inc. I do art.

    O âmago do enleio reside na identificação e na realização da: adequa­da distinção das diversas causas de pedir, quais sejam, a tipicamente interdital e a baseada em fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, que em hipótese alguma se equivalem.

    Essa questão está muito bem levantada por ARRUDA ALVIM, nos seguintes termos: "Aspecto mais delicado é o de saber se é possível a tutela antecipatória em determinados procedimentos especiais, v. g., como no caso de possessórias. As ações possessórias, através da possibilidade de medida liminar, contêm, historicamente mesmo, um sistema que guarda alguma similitude com a antecipação da tutela. O problema que se coloca é saber se, conquanto o autor haja promovido a ação 'depois de ano e dia, e, portanto, sem direito a medida liminar', se se configurarem os pressu­postos do art. 273, se ainda assim, poderá ter direito à tutela antecipada”. E, logo em seguida, o festejado Mestre fornece a solução: "Em nosso sentir a resposta é positiva, pois que a fonte da liminar, quando a possessória é promovida dentro de ano e dia é uma, ao passo que, a razão de ser da tutela antecipada é outra, ou são outras. Mas é evidente que, nesse caso, o juiz deverá avaliar o tempo, as condições a posse etc.[12]

    Sem sombra de dúvida, estamos de pleno acordo com a resposta dada ao problema pelo eminente Professor paulista; desejamos apenas salientar, na tentativa de aclarar um pouco mais a questão, que em sede possessória, se decorrido o prazo de ano e dia sem que a demanda de rito especial tenha sido ajuizada, os fundamentos de fato e de direito ensejado­res da pretensão à obtenção da tutela antecipatória não mais serão aqueles elencados nos arts. 499, 506 e 523 do Código Civil, em harmonia com os arts. 926, 927 e 928, do Código Instrumental, mas agora deverão estar de acordo com os requisitos estabelecidos no art. 273. Em tese, essa viabilida­de jurídica existe e é incontestável. Contudo, não vislumbramos com facili­dade uma hipótese concreta que, certamente, em muito serviria para ilustrar a matéria; nada obstante, o mundo dos fatos é rico na criação de interminá­veis e diferentes situações, e, mais uma vez, os pretórios, por intermédio da jurisprudência, exercerão papel fundamental trazendo a lume os casos específicos.

    De outra parte, se a hipótese versar sobre fato novo verificado após o ajuizamento de demanda interdital proposta quando já decorrido o prazo de ano e dia, suficientemente hábil a agasalhar a formulação de tutela possessória urgente, tem aplicação não o art. 273, inc. I, mas sim o art. 926 ele o art. 462, ambos do CPC, adequando-se a pretensão e o próprio instrumento à superveniência de causa independente.

    Outra questão ainda merece ser levantada. Se em ação interdital de rito especial (portanto ajuizada no prazo adequado de ano e dia) o pedido de liminar possessória vier a ser negado, no decorrer do processo, após o oferecimento da resposta ou em razão do comportamento processual do réu, poderá o autor formular novo requerimento de antecipação da tutela, desta feita baseado no inc. 11 do art. 273, ou seja, em face da caracterização do abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do sujeito passivo da demanda?

    Neste caso, parece-nos que a resposta é negativa, porquanto não basta somente a comprovação do requisito assinalado no inc. 11 do art. 273, fazendo-se imprescindível também a existência de prova inequívoca do alegado na peça inicial, capaz de formar no julgador um juízo de verossimi­lhança, nos termos do estatuído no "caput" do mesmo dispositivo; estamos, portanto, diante da necessária conjugação de elementos, sem a qual a tutela não pode ser antecipada.

    Ora, se o magistrado não encontrou nos autos elementos probatórios, e, via de conseqüência, de convicção, suficientemente robustos para ensejar a concessão da proteção interdital antecipatória "in limine litis" ou após audiência de justificação, não há que se falar em existência de prova inequívoca; caso contrário, já deveria ter concedido a tutela urgente em fase procedimental antecedente.

    Fazendo uma comparação com o direito italiano a respeito da admis­sibilidade entre os provvedimenti d'urgenza (providências ou medidas de urgência que se equiparam a nossa cautelar inominada e a tutela sumária do art. 273) - art. 700 do CPCi - e outros provvedimenti sommari non cautelari (providências sumárias não cautelares), a doutrina dominante liderada por TOMMASEO e ARIETA defende também a mesma tese no sentido de inadmitir o recurso a esta forma de proteção, todas as vezes em que se encontrar no sistema um tipo de providência sumária não cautelar idônea a alcançar em tempo útil o mesmo desiderato. Outro não tem sido o entendimento da jurisprudência italiana, com orientação específica em tute­la possessória, não admitindo expressamente a aplicação dei provvedimenti d'urgenza quando viável a utilização da tutela possessória.[13]

    A tutela jurisdicional sumária diferenciada acolhida no art. 273 do CPC não se destina em hipótese alguma a suprir as falhas ou omissões resultantes da inércia do interessado na utilização dos mecanismos espe­ciais colocados à sua disposição. Nesse caso, a "mens legis" deve ser interpretada no sentido de que a sua aplicabilidade pressupõe não só o preenchimento dos requisitos contidos no "caput" do artigo, parte final, e nos dois incisos subsequentes, mas também a sua perfeita harmonização com o sistema instrumental, o qual exige a observância da regência dos procedimentos especiais pelas disposições que lhe são próprias, cujas nor­mas orientadoras do rito ordinário são apenas subsidiárias. 

    Desta feita, aplica-se tão-somente a proteção sumária e genérica do art. 273 quando o sistema não prevê uma forma específica de procedimento suficientemente hábil à consecução da antecipação da tutela satisfativa. Havendo previsão normativa de procedi mentalidade especial - como se verifica no caso das possessórias - é juridicamente impossível a obtenção do mesmo tipo de proteção, por intermédio da incidência do art. 273, inc. I, quando os mecanismos apropriados deixaram de ser utilizados em tempo oportuno, dando azo à prec1usão, que importa, "in casu", em decadência à obtenção da tutela urgente, ressalvada a viabilidade de aplicação do inc. II do citado dispositivo.

    Há que se destacar, em outros termos, que o art. 273 veio suprir as lacunas do sistema, em face da tormentosa morosidade da prestação da tutela jurisdicional definitiva, que atentava brutalmente contra a efetividade do processo e a efetivação material da pretensão articulada pelo autor, levando, não raras vezes, à frustração absoluta do objeto perseguido pela demanda. Pelo contrário, não veio afrontar ou conflitar-se com os mecanis­mos já existentes de tutela antecipatória, previstos no próprio Código ou em leis extravagantes. Por isso, a sua aplicação exige do intérprete extrema cautela e amplo conhecimento do sistema nomoempírico prescritivo.[14]

    Temos de refletir a respeito da aplicação do art. 273 do CPC em outras duas hipóteses não menos interessantes, quais sejam: as que versam sobre demanda reivindicatória (art. 524 do CC) e sobre ação vindicatória ou reivindicatória da posse (art. 521 do CC).

    No primeiro caso, a questão parece não apresentar maiores dificul­dades quando estivermos diante de uma situação fáctica e jurídica em que o autor reivindicante não seja possuidor, isto é, que nunca tenha tido posse do bem reivindicado (posse perdida), porque não poderia ele jamais fazer uso da ação interdital reintegratória tendo em vista que é ancorada exclusiva­mente no "ius possessionis".

    Ausente esse requisito, a carência de ação seria manifesta, por ser o proprietário parte ilegítima ativa "ad causam". Restar-lhe-ia a ação de natureza petitória (real), fulcrada no "ius possidendi", ou seja, a reivindica­tória, para reaver o bem do poder de quem quer que injustamente o possua[15]. Em face da ausência de previsibilidade legal para concessão da patória através de rito especial, porquanto as reivindicatórias tramitam com procedimento ordinário ou sumário, dependendo do valor da causa e da natureza do bem em questão, isto é, se, móvel ou imóvel[16], é jurídica e absolutamente possível a obtenção da tutela liminar antecipatória baseada a pretensão no art. 273 do CPC.

    Mas como resolveríamos a questão, se o autor da demanda petitória, além de titular de direito real de propriedade, fosse também possuidor, e na qualidade de sujeito esbulhado, tivesse deixado fluir "in albis" o prazo de ano e dia sem ajuizar a demanda interdital? Poderia ele se utilizar agora da reivindicatória e postular a antecipação da tutela juris-satisfativa com base no inc. I do art. 273?

    Acabamos de demonstrar que se o possuidor perde o prazo (deca­dencial) para o ajuizamento de ação possessória com rito especial, não obstante a demanda interdital com rito ordinário não modificar o seu caráter possessório, impossível se toma a obtenção da tutela antecipatória ancorada no art. 273. Assim é, e assim deve ser, porque a "causa petendi", em qualquer uma das hipóteses é incontestavelmente a mesma, ou seja: os fatos e os fundamentos jurídicos do pedido.

    Diverso, por outro lado, é o caso em que formulamos a interrogação.

    Note-se que a pretensão reivindicatória é substancial e ontologicamente diferente daquela de natureza interdital, que poderia ter sido formulada pelo possuidor (e proprietário) esbulhado, mas que assim não o fez, por circuns­tâncias quaisquer.

    O cerne do enleio, como já frisamos anteriormente, reside no deli­neamento da causa de pedir próxima e remota bem como na exata identifi­cação do espectro do objeto imediato da demanda - o "petitum". Os fatos e os fundamentos jurídicos da ação reivindicatória não são os mesmos da reintegratória de posse, que poderia ter sido proposta.

    Nessa hipótese, não se verifica qualquer burla ao sistema, à medida que o autor está fazendo uso de um outro remédio jurídico, cujos contornos de fato e de direito, assim como a sua pretensão estão baseados desta feita no direito real de propriedade, e não no poder fáctico de ingerência sócio-­econômica sobre um determinado bem da vida, isto é, na posse. Por isso, nada obsta que seja formulado pedido de antecipação da tutela, nos termos do art. 273, cuja concessão fica na dependência da comprovação dos já mencionados requisitos.

    Mas o mundo empírico é pródigo na criação de circunstâncias, sobretudo quando se trata dos institutos da posse e da propriedade, razão pela qual podemos ainda entrever uma outra variante situacional envolven­do as ações possessórias e petitórias de recuperação, qual seja: poderia o sujeito esbulhado, desde que titular do poder fáctico e jurídico sobre um bem, isto é, qualificado como titular da posse e da propriedade, portanto, parte legitimamente ativa para as ações de natureza real e interdital, dentro do prazo de ano e dia, deixar de propor a ação possessória de rito especial e optar pela propositura da ação reivindicatória com pedido de antecipação da tutela, fulcrado no art. 273 do CPC. 

    Parece-nos que a resposta é positiva. Todavia, algumas consideraçõ­es merecem ser feitas. Na qualidade de titular do direito real de propriedade, não obstante também qualificado como titular do poder fáctico, o sujeito está legitimado a figurar no pólo ativo de qualquer uma das demandas, além de apresentar interesse jurídico à obtenção de qualquer uma das duas espécies de tutela jurisdicional e, da mesma forma, ambas as pretensões são juridicamente possíveis - está-se diante das três condições da ação.

    Ambas as demandas apresentam em sede probatória e no plano da eficácia as suas vantagens e desvantagens. O que pretendemos dizer é que ao interessado, e somente a ele, é dado o condão de optar por uma ou outra forma de remédio jurisdicional, sem que isso importe em violação dos princípios norteadores de ordem pública a respeito do processo e do proce­dimento.

    Sabe-se que a prova em sede possessória é muito mais fácil e simples para O postulante, tendo em vista que o possuidor está dispensado de fazer qualquer demonstração a respeito do título através do qual passou a ter poderes fácticos sobre o bem. É a "com moda possessionis", onde o autor tem de provar só, e somente só, a sua posse, enquanto que o réu deverá provar a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, não tendo lugar a oposição de "exceptio proprietatis", ressalvada a hipótese de discussão da posse com base no domínio (art. 505 do CC)[17]. No entrechoque de provas, o pedido será julgado em favor daquele que tiver a melhor posse. 

    "Entende-se melhor a posse que se funda em justo título; na falta de título, ou sendo os títulos iguais, a mais antiga; se da mesma data, a posse atual..." (1" parte do parágrafo único- do art. 507 do CCb). Trata-se, portan­to, de qualidade da posse, que no confronto judicial com a parte adversária, será melhor ou pior, ou seja, em condição valorativa superior ou inferior, que justifique ou não a sua proteção.

    Assim, o êxito na demanda interdital depende da qualidade da posse que se pretende manter ou recuperar. "E, cabe ainda acrescentar: a) que, se o direito do possuidor é contestado, o ônus da prova compete ao adversá­rio, não pelo princípio de que esse ônus cabe ao que alega, o qual, muitas vezes, não teria aplicação, e, sim, porque a posse é um estado de fato, que por sua própria existência dispensa qualquer prova; b) o possuidor goza de uma posição favorável em atenção à propriedade, cuja defesa se com­pleta pela posse, ainda que, nem sempre, induza presunção de proprieda­de, em favor do que possui”.[18]

    Por sua vez, a prova em sede petitória é muito mais complexa, envolvendo matéria de fato e de direito, inclusive exceções de natureza real, que poderão dificultar a reivindicação do bem.

    Também em termos de eficácia deverá o autor sopesar o que mais lhe convém. A ação possessória é de natureza executiva "lato sensu", enquanto·que a reivindicatória apresenta caráter preponderantemente con­denatório, sem eficácia executiva. Problemas poderão advir com a reivindi­catória em sede de execução de sentença, inclusive embargos de retenção. Na demanda interdital "a execução da sentença se faz de plano, inde­pendentemente de citação do executado, não comportando embargos. O direito de retenção na ação possessória deve ser invocado na contest­ação[19]". Ademais, ''Inviável no âmbito do cumprimento de liminar possessória a postulação de embargos de retenção por benfeitorias, que tem incidência apenas na execução para entrega de coisa ou, ainda, na fase executiva das ações de despejo e de reintegração de posse, desde que alegada a matéria e provadas na defesa as benfeitorias ensejadoras da retenção". [20]

    Com a reivindicatória, o autor correrá também o risco da norma estatuída no art. 273 vir a ser interpretada pelo juiz como inaplicável sem antes ouvir a parte contrária, o que poderá, ao menos em tese, acarretar um agravamento no elenco probatório no senso de obtenção da tutela antecipa­da. É bem verdade que o novo texto silencia a esse respeito e a interpretação que será dada pelo julgador será mais uma incógnita a ser enfrentada pelo postulante, o que não se verificaria se tivesse optado pela ação possessória com rito especial, em que pese, segundo o nosso entendimento, que não obsta a concessão da medida "in limine litis", quando cabalmente demons­trados os requisitos legais.

    Não seria demasiado lembrar, também, que a antecipação da prote­ção prevista no art. 273 como tutela sumária diferenciada é norma de caráter excepcional, a qual requer, para a concessão da liminar, a verifica­ção de prova inequívoca suficientemente capaz de convencer o magistrado da verossimilhança da alegação, além da imprescindível demonstração do fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, ou, que fique caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito prote­latório do réu. Trata-se de medida antecipatória genérica, enquanto que a providência interdital sumária é específica, onde o denominado "periculum in mora" é considerado "in re ipsa", ou seja, está sempre presente na exigência de restituir ao possuidor a disponibilidade e o livre gozo do bem, com a máxima presteza ("spoliatus ante omnia restituendus"). A demanda possessória tem ínsita em seu bojo a antecipação da medida satisfativa, desde que demonstrados sumariamente os requisitos do art. 927 do CPC, enquanto que a reivindicatória não.

    No tocante à ação vindicatória da posse, ela não está excluída do rol de demandas interditais que admitem as tutelas de urgência. O remédio de vindicação ou de reivindicação da posse caracteriza-se por uma natureza mista (não é real pura nem interdital pura), porquanto se reveste de caráter possessório e petitório, possibilitando juridicamente ao autor da demanda ajuizá-la contra quem quer que seja, inclusive terceiro com justo título e boa-fé, ressalvado o seu direito de regresso contra aquele que lhe transferiu a coisa ou o título. Na demanda fulcrada no art. 521 do Código Civil, o autor postula mais do que a reintegração (direito de posse); ele vindica a posse perdida (ação de direito à posse).

    Não encontramos qualquer óbice legal ou dogmático que nos leve a não enquadrar a ação vindicatória da posse como ação interdital susceptível de aplicação do rito especial, com a possibilidade de concessão da tutela liminar, nos mesmos moldes do que se verifica com as demais ações.

    Não obstante, para os que relutam em comungar com esse entendi­mento, agora em face do novo preceito estatuído no art. 273 do CPC, a tutela sumária à vindicatória não mais pode ser vetada, sob pena de mani­festa ilegalidade, pelos motivos aqui expostos.

    Para finalizar, registramos a nossa preocupação com a forma e a ampli­tude que os juízes atribuirão ao dispositivo ora enfocado, tendo em vista que estamos diante de uma tutela jurisdicional diferenciada, pouco conhecida em sua região ôntica por muitos aplicadores do direito, e que se trata de norma pouco minuciosa e recheada de conceitos vagos[21] (tutela antecipatória, total ou parcial; prova inequívoca; verossimilhança da alegação; fundado receio; dano irreparável ou de difícil reparação; abuso do direito de defesa; manifesto propósito protelatório; perigo de irreversibilidade do provimento antecipado).

    Vê-se que a nova norma é formada essencialmente por conceitos vagos ou indeterminados, descortinando para o julgador um universo de possibilidades com ampla liberdade de escolha na adaptação dos casos concretos à materialização da tutela sumária diferenciada, adquirindo a providência antecipatória a natureza adequada à efetivação da proteção dos direitos em questão (natureza condenatória, mandamental ou executiva), mas em qualquer hipótese, sempre provisória.

    Significa dizer que a medida de urgência introduzida no sistema pelo legislador pode ser emanada com base num pressuposto de perigo não especificamente previsto (inc. I) ou diante do abuso de direito de defesa ou, manifesto propósito protelatório do sujeito passivo (inc. II). Também o conteúdo estabelecido nesta medida não é propriamente fixado pela lei, devendo ser determinado pelo juiz, com referência ao previsível conteúdo da providência definitiva de mérito.[22]

    Essa amplitude desejada normativamente dirige-se para a realiza­ção antecipada e satisfativa da pretensão do autor, com o escopo voltado para a crença de que o juiz procederá à escolha mais adequada dentre as soluções possíveis e válidas e de acordo com a pretensão formulada numa perfeita relação entre o pedido e o pronunciado, fundamentando sempre o julgador a sua decisão, dada a notória relevância que ostenta, de modo claro, preciso e minudente as razões do seu convencimento - motivação complexa[23] (§ 1º do art. 273).

    Em outras palavras, nos dizeres do Mestre ARRUDA ALVIM, verifica-se a “... intencionalidade de se deixar espaço ao aplicador da norma, na percepção de parte ou de quase todas as circunstâncias, de tal forma que, à luz e em face destas, haja o aplicador de lei, de decidir 'melhor', ao depois de sopesar (= valorar) 'todas essas' circunstâncias”. Mais adiante, ao tratar da interpretação dos conceitos vagos e a aparente modificação nas soluções, escreve o festejado Professor paulista: "Há, na temática dos conceitos vagos, uma impossibilidade de estabelecimento pleno 'a priori' da fisionomia real do valor ou dos valores, que concreta­mente se pretende sejam realizados. Pode-se dizer que a ordem histórico­-cultural, situada no espaço e determinada no tempo, apresenta as condições imprescindíveis à efetiva e operacional realização dos conceitos vagos[24]".

    Ademais, como bem assinala MARINONI, "Na tutela antecipatória o Magistrado não se limita a conceder a tutela, devendo determinar a sua forma de atuação concreta para o caso de não cumprimento espontâ­neo da decisão. Portanto, justamente no momento em que é concedida a tutela, devem ser indicados os meios que permitirão a sua efetivação no mundo dos fatos na hipótese de inadimplemento. Com efeito, a execução da tutela antecipatória não se subordina as regras próprias do processo de execução, constituindo uma forma de execução processual peculiar, pelo que devem ser atribuídos ao juiz deste tipo de tutela uma ampla latitude de poderes destinados à determinação das modalidades executivas[25]”.

    Por esses motivos o nosso alerta e a nossa preocupação, na esperan­ça de que o tão decantado novo dispositivo que veio positivamente revolu­cionar o sistema da ordinariedade e ao mesmo tempo expurgar o uso intolerável e inadequado das erroneamente chamadas cautelares satisfati­vas, venha a ser aplicado com a máxima prudência, de acordo com os delineamentos impostos nos incisos I ("periculum in mora") e II (circuns­tâncias fácticas e jurídicas caracterizadas pelo abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu), a fim de que o seu uso, como regra de tutela sumária genérica e excepcional, com o passar do tempo, não seja subvertido, generalizando-se perigosamente em indiscriminada antecipação satisfativa da decisão condenatória definitiva de mérito, o que importará em verdadeira temeridade, insegurança aos jurisdicionados, vio­lação do contraditório e desordem processual, sem contar a inexplicável falta de referência expressa à regra do inc. I do art. 588 do CPC (art. 273, § 30) sobre a responsabilidade civil no caso de execução provisória.[26]

    Parece evidente que, nessas hipóteses, sempre haverá risco de suma­rização generalizada do processo de conhecimento[27]. Recentemente escre­vendo sobre o novo processo cautelar e as tutelas de antecipação no direito italiano, de acordo com o regime estatuído pela Lei n° 353/90, o sempre lembrado Mestre GIUSEPPE TARZIA faz uma séria advertência, que serve como uma luva à nossa realidade processual, no sentido de que a proliferação das tutelas especiais, quaisquer que sejam as suas contingentes justificações, constituem-se num fator concorrente de crise de valores, em relação à tutela ordinária, como tutela dispensada a todos os cidadãos. A valoração pode ser diversa onde (como no procedimento de urgência do art. 700 do CPCi) o legislador ponha à disposição de qualquer pessoa que alegue um direito um instrumento de tutela; mas mesmo neste caso não se pode ignorar o risco de uma geral deformação da tutela jurisdicional.

    A mensagem é óbvia na direção de que só a recuperação da funcio­nalidade do processo ordinário poderá reduzir os procedimentos cautelares no leito daquela função subsidiária e integradora e não substitutiva da jurisdição ordinária a eles referentes, no desenho legislativo e - isso é o que mais conta - na ordem da justiça civil inspirada na lógica da garantia e da eficiência e não naquela, sempre traumática, da emergência.[28]

    Oxalá sejam os abusos veementemente coibidos, para não turvar essa importante técnica de diferenciação de tutela, à medida que a antecipação dos seus efeitos harmoniza-se com sistema processual sem causar qualquer abalo ou transformações na sua estrutura.[29]

* Juiz de Direito em Santa Catarina. Mestre em Direito Processual Civil e Doutorando pela PUC/SP. Especialista em Direito Civil e Processual Civil pela ''Università Degli Studi di Milano”.: Professor Associado da UNIVILLE. Membro do Instituto de Direito Processual e do Instituto dos Magistrados do Brasil.


[1] A respeito dos Projetos e anteprojetos, v. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, Esta­tuto da Magistratura e Reforma do Processo Civil, pp. 109 e segs., Dei Rel Editora, Belo Horizonte, 1993.

[2] Neste sentido também v. OVÍDIO BAPTISTA DA SILVA, quando escreve a respeito das liminares antecipatórias das sentenças de procedência e da distinção feita pela doutrina entre satisfação fáctica de um provável direito e a verdadeira satisfação jurídica, que teria como pressuposto um direito já proclamado por uma sentença anterior (cf. FRITZ BAUR, Tutela Jurídica, pp. 49/50), salientando também que "Este é, sem dúvida, o mais poderoso compromisso da doutrina com a 'ordinariedade: e a férrea premissa que a impede de conceber formas provisórias de satisfação de um direito provável". (Curso de Processo Civil, vol.III, p. 32/33, § 6, Sérgio A. Fabris Editor, Porto Alegre, 1993).

[3] LUIZ MARINONI, idem, ibidem, p. 106. Assinala muito bem o festejado Professor paranaense que esse tipo de tutela não pode ser confundida com o julgamento antecipa­do do mérito, “... pois o julgamento se faz com base em cognição sumária, ou melhor, probabilidade. Em outros termos, a tutela antecipa a realização do direito porque a grande probabilidade da existência do direito ligada ao 'abuso do direito de defesa' ou do 'manifesto propósito protelatório do réu' são suficientes para impedir que a tutela satisfativa surja após o decurso do tempo necessário para a plenitude da instrução probatória. "(idem, ibidem).

[4] Tutela jurídica mediante medidas cautelares, p. 49. Trad. bras. de Arlindo E. Laux. Sérgio A. Fábris Editor, Porto Alegre, 1985. Salientamos que, neste particular, acolhe­mos os ensinamentos do jurista tedesco com a ressalva de que, dentro da nossa concep­ção e também como se encontra hoje posto o sistema processual brasileiro, estas medidas não são de natureza cautelar.

Ademais, o citado Professor procede à análise em conformidade com o sistema germâ­nico, mais precisamente no tocante ao § 940 da ZPO.

[5] Sobre esse tema v. PROTO PISAN! (Riv. di dir. proc., vol. XXXIV/536 e segs. Sulla tutela giurisdizionale differenziata) e FEDERICO CARPI (Riv. trim. di dir. e proc. civ., 1980. 'Flashes sulla tutela giurisdizionale differenziata ').

[6]  LUIZ GUILHERME MARINONI, Rev. de proc., vol. 69/105. Novidades sobre a tutela antecipatória.

[7] La tutela d'urgenza - atti del XV Convegno Nazionale, p. 58/59. La tutela d'urgenzafra cautela, sentenza anticipata' e giudizio di merito (pp. 37/80). Neste sentido também v. PASQUALE FRISINA que faz a distinção entre provimentos cautelares, provimentos de natureza sumária não cautelar e os provimentos de tutela interinal. Segundo o Mestre italiano, estes últimos aparecem durante a tramitação de um processo de conhecimento, de procedimento comum, antecipando total ou parcialmente, os efeitos da decisão definitiva (Riv. di dir. proc., vol. XVI, p. 368 e segs. La tutela antecipatória: profili junzionali e strutturali).

[8]  LUIZ MARINONI, idem, ibidem, p. 106.

Assinala muito bem o festejado Professor paranaense que esse tipo de tutela não pode ser confundida com o julgamento antecipado do mérito, "... pois o julgamento se faz com base em cognição sumária, ou melhor, probabilidade. Em outros termos, a tutela antecipa a realização do direito porque a grande probabilidade da existência do direito ligada ao 'abuso do direito de defesa' ou do 'manifesto propósito protelatório do réu' são suficientes para impedir que a tutela satisfativa surja após o decurso do tempo necessário para a plenitude da instrução probatória. "(idem, ibidem).

[9] Lembramos que a Lei 8.952/94 alterou também o art. 272 do CPC, que passou a ter a seguinte redação: "O procedimento comum é ordinário ou sumário". Parágrafo único. "O procedimento especial e o procedimento sumário regem-se pelas disposições que lhes são próprias, aplicando-se-lhes, subsidiariamente, as disposições gerais do proce­dimento ordinário."

[10] Aliás, outro não é o entendimento, por exemplo, de HUMBERTO THEODORO JR. ao afirmar categoricamente que a liminar satisfativa pode ser ... concedida em qualquer ação de conhecimento, desde que preenchidos os requisitos que o novo texto do art. 273 arrola." (As Inovações do Código de Processo Civil, p. 11. n. 11, Forense, Rio de Janeiro, 1995).

[11] Inovações no Código de Processo Civil, p. 8, Forense, Rio de Janeiro, 2" ed., 1995. Em outros termos, escreve o Mestre baiano: 'A antecipação da tutela que se prevê, agora, no título relativo ao processo e procedimento, do livro que cuida do processo de conhecimento, vale tanto para o procedimento ordinário quanto para o sumário (o antigo sumaríssimo) e também para os procedimentos especiais, porque subsidiaria­mente, a estes últimos, são aplicáveis as disposições gerais do procedimento ordiná­rio ... "(ob. cit.,pp. 7/8).

[12] Tutela antecipatória. Algumas noções - contrastes e coincidências em relação às medidas cautelares satisfativas. Coletânea de estudos coordenada pelo Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, Editora Saraiva, no prelo. Em nota de rodapé n. 58 lembra ainda que, "Similarmente ao que se passa na" Itália, em decorrência da reforma que aí se procedeu, deve haver 'compatibilidade' para aplicar o art. 273, aos procedimentos especiais (cf. Andrea Proto Pisani, 'op. cit.: p. 376; Edoardo Caputo, 'La Nuova Normativa sul Processo Civile - commento alli articoli del Codice Modificati dalla Legge 353/90 e 374/91: Padova, 1993. Cedam, p. 416, coms. ao art. 669/14)." Outro não é o entendimento de NELSON NERY JR., senão vejamos: 'A ação possessória de rito especial comporta concessão de liminar (CPC 928), se o esbulho ou turbação ocorreu há menos de ano e dia (CPC 924). Para conseguir a liminar de antecipação de efeitos da tutela de mérito, o autor tem de provar a posse e a data do esbulho. Apenas isto. "Quando o esbulho ou turbação se deu há mais de ano e dia, a ação possessória tramita pelo rito comum (ordinário ou sumário). Pode ser requerida a antecipação da tutela, mas devem ser cumpridos os requisitos do CPC 273. Em conclusão, para as possessórias que se processam pelo rito especial, os requisitos para a concessão da liminar antecipatória são os do CPC 927, ao passo que para as possessórias que tramitam pelo rito comum os requisitos para a obtenção da medida liminar são os do CPC 273. Mas o importante é que o sistema agora admite a liminar nas possessórias de rito comum. "(Atualidades sobre o processo civil, p. 57).

[13] Cf. CIAN e TRABUCCHI, Commentario breve al CPC, pp. 1.410/1.411, art. 700. Cedam, Padova, 1994.

[14] Semelhante é o entendimento de ANTÔNIO CLÁUDIO DA COSTA MACHADO quando assim escreve: 'Voltando ao processo de conhecimento, somos da opinião de que, afora os procedimentos ordinário e sumário, para os quais o art. 273 foi dirigido basicamente, não resta muito espaço no âmbito dos procedimentos especiais que não dispõem de liminar (consignatória, depósito, anulatória de títulos, prestação de contas, usucapião, divisória e demarcatória etc.) para a aplicação da tutela antecipatória de que cogita­mos, salvo melhor juízo. A partir dessa visão, concluímos que a variada disciplina das liminares do Livro IV, Título I, permanece intocada (arts. 928, 936, I, 1.051 e 1.071). O mesmo raciocínio vale para os procedimentos especiais disciplinados em leis extrava­gantes (mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, alienação fiduciária, alimentos, ações de locação, desapropriação etc.)." (A reforma do processo civil inter­pretada, p. 20, Saraiva, São Paulo, 1995).

[15] O conceito de posse injusta no art. 489 do CC não se confunde com o do art. 524. Em sede possessória, a injustiça da posse está restrita aos três vícios que a maculam (stricto sensu), enquanto no dispositivo relativo à propriedade a expressão está empregada para designar todas as situações (e não apenas os vícios da posse) que repugnam ao titular do mais amplo direito real (lato sensu). A ação reivindicatória tem por objeto imediato a recuperação do bem frente ao antagonismo ao pleno exercício do direito real de propriedade, dirigindo-a o autor da demanda contra quem quer que injustamente o possua, donde brota o poder de seqüela e a oponibilidade erga omnes.

Assim também já se manifestou o Supremo Tribunal Federal: “... O proprietário não perde o domínio pelo não uso do imóvel, enquanto outrem não o adquire mediante usucapião. Não há que se confundir o requisito 'posse injusta' a que se refere o art. 524 do Código Civil com a 'posse injusta' definida no art. 489 do mesmo diploma legal. Não é exato que a ação reivindicatória seja cabível unicamente contra o possuidor sem título. Se o autor e o réu são titulares de títulos de domínio, a sentença dirá qual deles é válido e mandará cancelar a transcrição do outro no registro de imóveis" (Rei. Min. Soares Muñoz, DJU, n. 124/81, pp. 6.649).

[16] Neste sentido v. PAULO HAENDCHEN e REMOLO LETTERIELLO. Ação reivindicatória, pp. 19/20, Saraiva, São Paulo, 1985.

[17] A respeito do tema exceção de domínio e domínio evidente, v. o nosso estudo sobre Posse e ações possessórias, vol. I, pp. 5//52, n. 2.2. e pp. 294/296, n. 8.7, Juruá Editora, Curitiba, 1994.

[18] CLÓVIS BEVILÁQUA, Direito das coisas, vol. I, pp. 54/55, Forense, Rio de Janeiro, 5. ed.

[19] Cf. 1ºr TACivSP, Rev. For., vol. 278/220. Assim também v. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, CPC anotado, p. 525, art. 931, Saraiva, São Paulo, 1992.

[20] Cf. TAMG, Ap. Cível n. 24.653, Rel. Juiz Joaquim Alves.

[21] Segundo ARRUDA ALVIM, "O que distingue os conceitos indeterminados ou vagos das normas minuciosas é que, nestas, inexiste intencionalidade de 'transferir' parcela de avaliação ao aplicado r da lei, ainda que isto ocorra, precisamente pela 'impossibilidade normal' de se preverem todas as circunstâncias que podem ocorrer concretamente. O universo real é infinitamente mais rico do que a regra de direito ou mesmo do que o universo normativo. Sequer a este, pois, em princípio, é virtualmente possível açambar­car aquele, ao menos a priori. Por esta técnica dos conceitos vagos há, na própria norma, a tendência para que, por intermédio da aplicação, se venha a compreender no seu âmbito, todo universo do real aí posto; a norma propende a isso" (A argüição de relevância no recurso extraordinário, p. 18, n. 13, Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1988).

[22] ANDREA LUGO, Manuale di diritto processuale civile, p. 416, § 264, Giuffrè. Milano, 1992, e, Addenda II, 1994.

[23] Nesse sentido v. JOSÉ R. CRUZ E TUCCI, Processo civil - realidade e justiça. 20 anos de vigência do CPC, p. 118, Saraiva, São Paulo, 1994.

[24] Idem, p. 18, n. 13 e p. 91, n. 25, respectivamente. Salienta também que "Na aplicação de conceitos vagos há sempre uma intencional direção ao concreto, para que, mercê da colaboração intensa do aplicador da regra, se possa surpreender todos os casos que a norma tem aptidão ou potencial para albergar. E só depois do panorama decorrente da aplicação da regra, que resulta dessas hipóteses, um mosaico de casos, cuja compreen­são, 'no âmbito desse resultado' se pode dizer aproximada da regra minuciosa. Para os casos ainda suscetíveis de futura aplicação, remanesce uma margem de indeterminação, 'cada vez menos intensa, pela utilidade dos precedentes: mesmo que não revelem similaridade muito próxima"(idem, p. 90).

[25] GUILHERME MARINONI, Rev. de Proc., vol. 69/108, n. 7. Novidades sobre a tutela antecipatória.

[26] A respeito da inexistência expressa de imposição da responsabilidade pelos danos decorrentes da ineficácia posterior da execução efetivada, escreve em sentido crítico DONALDO ARMELIN, que isso "... poderá gerar questionamentos a seu respeito, tal como sucede com as antecipações de eficácias já previstas no CPC relativamente a procedimentos nele qualificados como de conhecimento. Isto porque, sendo a responsa­bilidade objetiva do direito estrito, segundo o,sistema jurídico vigente, melhor seria viesse ela expressa no texto legal" (Responsabilidade objetiva no Código de Processo Civil, p. 22. Estudo apresentado no I Simpósio de Direito Processual Civil, promovido pelo Centro de Extensão Universitária, São Paulo, em 28/5/94 - apud JOSÉ CRUZ E TUCCI, Processo Civil, p. 123). Ao fazer referência no § 3°, do art. 273, ao modo de efetivação da tutela antecipada (dentro dos moldes da execução provisória), o legislador tomou o cuidado de afastar a incidência do disposto no inc. I, do art. 588, no que tange ao prévio e condicional oferecimento de caução. É bem verdade que a nova Lei "... deixou de fora qualquer disposição sobre a responsabilidade civil do exeqüente, mas resulta das normas gerais de direito privado que, se prejuízos houver, por eles respon­derá quem se valeu da tutela antecipada e depois se positivou que não tinha o direito" (CÂNDIDO DINAMARCO, A reforma do Código de Processo Civil, p. 147, n. 1O8, Malheiros Editores, São Paulo, 1995). Assim também o entendimento de ROBERTO SCHMIDT JR., O novo processo civil, p. 58, Juruá Editora, Curitiba, 1995, e, J. J. CALMON DE PASSOS, Inovações no código de processo civil, pp. 32/33. Parece-nos que, por extensão, deve ser aplicado o regime estatuído no art. 811 do CPC, “... de modo que a responsabilidade do requerente da medida é 'objetiva: devendo ser caracterizada independentemente de sua conduta: havendo o dano e provado o nexo de causalidade entre a execução da medida e o dano, há o dever de indenizar" (NELSON NERY JR., Atualidades sobre o processo civil, p. 57. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1995). No mesmo sentido v. 1. E. CARREIRA ALVIM, Código de processo civil reformado, pp. 121//22, n. 26, Del Rey Editora, Belo Horizonte, 1995.

[27] JOSÉ R. CRUZ E TUCCI, Processo civil, p. 117.

[28] Il nuovo processo cautelare, p. XXXIII. Cedam, Padova, 1993. Salienta também há vários anos, com acerto, o Professor gaúcho OVÍDIO BAPTISTA DA SILVA, "... a reintrodução em nosso direito de uma forma de 'tutela antecipatória' - tão extensa quanto o permite sua conceituação, como tutela genérica e indeterminada - invalida todos os pressupostos teóricos que sustentam o Processo de Conhecimento, pois as antecipações de julgamento, idôneas para provocarem tutela antecipatória, pressupõem demandas que contenham, conjugadas e simultâneas, as atividades de 'conhecimento' e 'execução'. E mais: pressupõe que a 'tutela antecipatória' seja fruto de um 'juízo de verossimilhança: a ser depois confirmado ou infirmado pela sentença final" (O Proces­so civil contemporâneo - Coletânea de estudos. Tutela antecipatória e juízos de verossimilhança, p. 127, Juruá Editora, Curitiba, 1994).

[29] Neste sentido v. DONALDO ARMELIN, O processo civil contemporâneo (coletânea)- Tutela jurisdicional diferenciada, pp. 112/114, Juruá Editora, Curitiba, 1994. V. tam­bém LUIZ GUILHERME MARINONI quando aborda o tema das tutelas diferenciadas e realidade social, pp. 1/10. Efetividade do processo e tutela de urgência. Sérgio Antônio Fabris Editor, Porto Alegre, 1994.