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VIOLÊNCIA URBANA E PENA DE MORTE

Com preocupação tenho acompanhado os últimos acontecimentos que evidenciam um aumento desenfreado e assustador da violenta criminalidade urbana em nosso País. Como conseqüência, surgiram movimentos (não obstante minoritários e isolados) com o escopo de mais uma vez fazer tremular a bandeira da tão censurada pena de morte, como se fosse ela, o antídoto neutralizador do problema. Tamanho absurdo este posicionamento que fez desencadear uma série de manifestações de estudiosos do assunto em diversas áreas, que serviram para bem ilustrar as páginas de jornais e revistas, com opiniões contrárias a pena capital (ad. ex. Miguel Reale – Folha  de São Paulo de 6/6/91; o posicionamento da grande maioria dos Juízes que condenam a pena de morte - O Estado de S. Paulo de 25/9/91 e Jornal do Magistrado de 9/91; os membros da. mesa redonda na discussão promovida pela Séc. Just. e Defesa da Cidadania de S. Paulo, em 21/5/91; o mandado de segurança impetrado no S.T.F. inicialmente pelo jornalista Newton de A. Rodrigues e posteriormente por diversos Deputados Federais tentando evitar o malsinado plebiscito - v. O Estado de São Paulo de 9/6/91; Prof. Marcelo Fortes Barbosa - O Estado de São Paulo de 25/9/91; Des. Régis Fernandes de Oliveira, ex-presidente da A.M.B. - O Estado de São Paulo de 02/11/91; Prof. Paulo José da Costa Jr. - O Estado de São Paulo de 23/10/91, dentre tantos outros não menos ilustres juristas.

 

Indubitavelmente o tema exige profunda reflexão e, de outra parte, não poderíamos silenciar jamais diante desta questão de enorme complexidade (de ordem social, política, filosófica, religiosa e jurídica) e de ímpar conseqüência, 'que não se resolve por intermédio de artifício tão simplista, como pretendem alguns defensores de sua instituição, rotulada de "solução imediata" para o problema da violenta criminalidade; lamentavelmente, enganam-se os que assim pensam, conforme procuraremos demonstrar neste breve estudo. Para muito não nos alongarmos, faremos apenas uma análise sinóptica dos fatores jurídicos e sócio-políticos, senão vejamos:

 

Dentro do corpo normativo elencado na Constituição de 1988, no título pertinente aos direitos e garantias individuais, encontramos no "caput" do art. 5º. o direito à vida e no título IV que dispõe sobre a organização dos poderes, mais precisamente sobre o Poder Legislativo e a possibilidade de emenda à Constituição, o parág. 4º., inc. IV, do art. 60, onde o constituinte anotou com meridiana clareza, "in verbis": "Não será objeto de deliberação a proposto de emenda tendente a abolir: (...) IV - os direitos e garantias individuais" Efetuando-se sem dificuldade uma interpretação histórica, gramatical, sistemática e teleológica destes dispositivos chega-se facilmente a conclusão de que, sendo a vida o maior, o mais importante direito individual que possui o homem, não tem o parlamento o condão de oferecer qualquer proposta de emenda tendente a abolir este direito. Portanto, o posicionamento contrário ao texto constitucional em vigor é totalmente insustentável, juridicamente impossível, não passando de uma verdadeira "aberratio juris".

 

Analisando o tema pela óptica social e política, diríamos que a causa mais recente de crescimento da violenta criminalidade urbana está evidenciada pela recessão que atingiu nos últimos anos praticamente todas as camadas sociais, mormente as mais humildes e necessitadas, acarretando na elevação dos índices de desemprego e subemprego, tudo arrematado pelo ínfimo salário mínimo percebido mensalmente pelos trabalhadores, consumando-se talvez a pior fase de nossa história.

 

Num País cujas características sócio-econômicas o colocam dentre aqueles que compõem a lista crítica do terceiro mundo, não poderíamos esperar que a criminalidade violenta estivesse sob controle. Diminuir a violência significa enfrentar e solucionar (ao menos parcialmente) questões de grande envergadura a que se entrelaçam, como por exemplo: a saúde, educação e economia, o que por certo ocorrerá somente num futuro por demais longínquo.

 

No Brasil, desde os primórdios de sua história, o povo tem convivido com a exploração dos poderosos, a delapidação dos cofres públicos e o desrespeito aos mais elementares dos direitos humanos. O mesmo favorecido pela sorte, mesmo que ignorante seja, não consegue deixar de sentir ou desconhecer tal real idade. Na maioria das vezes o criminoso (concomitante vítima deste débil contexto social) já nasceu miserável e viveu no submundo do delito, passando pelas humilhações e sentindo as maiores privações que um ser humano pode sofrer, onde não raras as vezes o pai é desconhecido ou um criminoso contumaz, alcoólatra ou toxicômano, pobre e inculto e a mãe uma prostituta ou uma infeliz mulher que tem de cuidar de um número de, filhos superior às suas forças e possibilidades. Para a quase totalidade dos delinqüentes, a vida perdeu ou não mais tem sentido; o cantinho do crime se transformou então numa ilusória e fácil solução. É justamente neste "ninho" de dificuldades, de luta pela sobrevivência e de carência absoluta onde nasceram os criminosos e onde se encontram os menores abandonados de hoje, que em breve passarão a ser os grandes infratores do amanhã.

 

Puni-los com a privação da liberdade já não é uma tarefa muito simples, pois sabemos que por trás de uma condenação dificilmente ocorrerá a desejável recuperação do criminoso, em virtude da falência em que se encontra o nosso sistema penitenciário, com a falta de estrutura necessária para a execução penal, cuja responsabilidade recai exclusivamente sobre os ombros do Poder Executivo, a nível federal e estadual. O sentenciado que deveria produzir dentro do próprio estabelecimento prisional ou em colônias agropecuárias (o que raramente ocorre) transforma-se num verdadeiro parasita, sustentado pelos cofres públicos (indiretamente por todos nós) além de inexistir um satisfatório acompanhamento psicológico, religioso e uma orientação moral e social capaz de preparar o sentenciado para o retomo ao ceio da comunidade.

 

De outra parte, estou certo que a violenta criminalidade diminuiria se fossem atacados de imediato alguns pontos, também vitais, além dos já referidos, todavia com efeito rápido, mais simples e econômico, tais como: reaparelhamento da polícia civil e militar, aumento do quadro de Juízes e Promotores de Justiça, a fim de que os processos possam tramitar com mais celeridade (trabalhamos com milhares de processos quando o ideal seria pouco mais de três centenas); mudança da política judiciária na orientação jurisprudencial no que pertine a aplicação da pena (como a fixação da "pena base" parte do mínimo legal, dificilmente no Brasil alguém é condenado a pena, máxima prevista em lei); a diminuição de regalias concedidas a presos durante a execução das sentenças (especialmente nos delitos de maior gravidade ou hediondos); a instituição da prisão perpétua, elaboração de um novo Código de Processo Penal adequado a nossa realidade (o atual data de 1941) capaz de permitir a agilização dos procedimentos e, finalmente, a criação de presídios mais decentes e,com segurança máxima.

 

Por último, vale assinalar que a vida de tudo um direito natural, inviolável, indisponível, que foge da esfera de controle do homem civilizado, consciente e justo. A pena de morte não trará benefício efetivo algum, além de colocar em risco a vida de um possível inocente, pois não podemos descartar a hipótese, em que pese um tanto quanto rara, de um equívoco no julgamento da causa, o que importaria num dano irreparável. Há mais de 150 anos, felizmente, o Brasil deixou de ouvir falar em pena de morte (confirmado na C.F. de 1988), num demonstrativo de civilidade e consciência jurídica, tudo levando a crer como aliás tem ficado bastante claro através de inúmeras manifestações abalizadas, a respeito do tema, que na atual sistemática de nossa Lei Maior é impossível a admissibilidade da pena capital, sobretudo por não corresponder aos anseios da sociedade brasileira.

 

Antes de mais nada, deve o Executivo, por intermédio de seus órgãos competentes, dar ao povo, indistintamente, condições dignas de sobrevivência, crescimento e formação educacional. Apenas "ad argumentandum", se porventura for instituída a pena de morte, não passará de mais uma escolha impensada, inoportuna, cômoda e injusta da maioria de nossos dirigentes e legisladores, medida esta que incidirá sobre a classe já oprimida, minoritária e pobre, enquanto outros delitos como os acidentes de trânsito (que fazem anualmente milhares de vítimas fatais) ou os chamados crimes do "colarinho branco" etc, continuarão praticamente impunes, em razão da inexistência de uma legislação aos nossos dias.

 

Inegável que a conjuntura hodierna é insustentável e reclama a tomada de providências imediatas. Todavia, a oficialização da pena de morte é indiscutivelmente medida juridicamente impossível, face a sua inconstitucionalidade manifesta, além de afrontar nossos princípios de formação básica e o mais importante direito individual e indisponível do ser humano - a vida.