Com preocupação tenho acompanhado
os últimos acontecimentos que evidenciam um aumento desenfreado e assustador da
violenta criminalidade urbana
Indubitavelmente o tema exige
profunda reflexão e, de outra parte, não poderíamos silenciar jamais diante
desta questão de enorme complexidade (de ordem social, política, filosófica,
religiosa e jurídica) e de ímpar conseqüência, 'que não se resolve por
intermédio de artifício tão simplista, como pretendem alguns defensores de sua
instituição, rotulada de "solução imediata" para o problema da
violenta criminalidade; lamentavelmente, enganam-se os que assim pensam,
conforme procuraremos demonstrar neste breve estudo. Para muito não nos
alongarmos, faremos apenas uma análise sinóptica dos fatores jurídicos e sócio-políticos,
senão vejamos:
Dentro do corpo normativo
elencado na Constituição de 1988, no título pertinente aos direitos e garantias
individuais, encontramos no "caput" do art. 5º. o direito à vida e no
título IV que dispõe sobre a organização dos poderes, mais precisamente sobre o
Poder Legislativo e a possibilidade de emenda à Constituição, o parág. 4º.,
inc. IV, do art. 60, onde o constituinte anotou com meridiana clareza, "in
verbis": "Não será objeto de deliberação a proposto de emenda tendente
a abolir: (...) IV - os direitos e garantias individuais" Efetuando-se sem
dificuldade uma interpretação histórica, gramatical, sistemática e teleológica
destes dispositivos chega-se facilmente a conclusão de que, sendo a vida o
maior, o mais importante direito individual que possui o homem, não tem o
parlamento o condão de oferecer qualquer proposta de emenda tendente a abolir
este direito. Portanto, o posicionamento contrário ao texto constitucional em
vigor é totalmente insustentável, juridicamente impossível, não passando de uma
verdadeira "aberratio juris".
Analisando o tema pela óptica
social e política, diríamos que a causa mais recente de crescimento da violenta
criminalidade urbana está evidenciada pela recessão que atingiu nos últimos
anos praticamente todas as camadas sociais, mormente as mais humildes e
necessitadas, acarretando na elevação dos índices de desemprego e subemprego,
tudo arrematado pelo ínfimo salário mínimo percebido mensalmente pelos
trabalhadores, consumando-se talvez a pior fase de nossa história.
Num País cujas características
sócio-econômicas o colocam dentre aqueles que compõem a lista crítica do
terceiro mundo, não poderíamos esperar que a criminalidade violenta estivesse
sob controle. Diminuir a violência significa enfrentar e solucionar (ao menos
parcialmente) questões de grande envergadura a que se entrelaçam, como por
exemplo: a saúde, educação e economia, o que por certo ocorrerá somente num
futuro por demais longínquo.
No Brasil, desde os primórdios de
sua história, o povo tem convivido com a exploração dos poderosos, a
delapidação dos cofres públicos e o desrespeito aos mais elementares dos
direitos humanos. O mesmo favorecido pela sorte, mesmo que ignorante seja, não
consegue deixar de sentir ou desconhecer tal real idade. Na maioria das vezes o
criminoso (concomitante vítima deste débil contexto social) já nasceu miserável
e viveu no submundo do delito, passando pelas humilhações e sentindo as maiores
privações que um ser humano pode sofrer, onde não raras as vezes o pai é desconhecido
ou um criminoso contumaz, alcoólatra ou toxicômano, pobre e inculto e a mãe uma
prostituta ou uma infeliz mulher que tem de cuidar de um número de, filhos
superior às suas forças e possibilidades. Para a quase totalidade dos
delinqüentes, a vida perdeu ou não mais tem sentido; o cantinho do crime se
transformou então numa ilusória e fácil solução. É justamente neste
"ninho" de dificuldades, de luta pela sobrevivência e de carência
absoluta onde nasceram os criminosos e onde se encontram os menores abandonados
de hoje, que em breve passarão a ser os grandes infratores do amanhã.
Puni-los com a privação da
liberdade já não é uma tarefa muito simples, pois sabemos que por trás de uma
condenação dificilmente ocorrerá a desejável recuperação do criminoso, em
virtude da falência em que se encontra o nosso sistema penitenciário, com a
falta de estrutura necessária para a execução penal, cuja responsabilidade
recai exclusivamente sobre os ombros do Poder Executivo, a nível federal e
estadual. O sentenciado que deveria produzir dentro do próprio estabelecimento
prisional ou em colônias agropecuárias (o que raramente ocorre) transforma-se
num verdadeiro parasita, sustentado pelos cofres públicos (indiretamente por
todos nós) além de inexistir um satisfatório acompanhamento psicológico,
religioso e uma orientação moral e social capaz de preparar o sentenciado para
o retomo ao ceio da comunidade.
De outra parte, estou certo que a
violenta criminalidade diminuiria se fossem atacados de imediato alguns pontos,
também vitais, além dos já referidos, todavia com efeito rápido, mais simples e
econômico, tais como: reaparelhamento da polícia civil e militar, aumento do
quadro de Juízes e Promotores de Justiça, a fim de que os processos possam
tramitar com mais celeridade (trabalhamos com milhares de processos quando o
ideal seria pouco mais de três centenas); mudança da política judiciária na
orientação jurisprudencial no que pertine a aplicação da pena (como a fixação
da "pena base" parte do mínimo legal, dificilmente no Brasil alguém é
condenado a pena, máxima prevista em lei); a diminuição de regalias concedidas
a presos durante a execução das sentenças (especialmente nos delitos de maior
gravidade ou hediondos); a instituição da prisão perpétua, elaboração de um
novo Código de Processo Penal adequado a nossa realidade (o atual data de 1941)
capaz de permitir a agilização dos procedimentos e, finalmente, a criação de
presídios mais decentes e,com segurança máxima.
Por último, vale assinalar que a
vida de tudo um direito natural, inviolável, indisponível, que foge da esfera
de controle do homem civilizado, consciente e justo. A pena de morte não trará
benefício efetivo algum, além de colocar em risco a vida de um possível
inocente, pois não podemos descartar a hipótese, em que pese um tanto quanto
rara, de um equívoco no julgamento da causa, o que importaria num dano
irreparável. Há mais de 150 anos, felizmente, o Brasil deixou de ouvir falar em
pena de morte (confirmado na C.F. de 1988), num demonstrativo de civilidade e consciência
jurídica, tudo levando a crer como aliás tem ficado bastante claro através de
inúmeras manifestações abalizadas, a respeito do tema, que na atual sistemática
de nossa Lei Maior é impossível a admissibilidade da pena capital, sobretudo
por não corresponder aos anseios da sociedade brasileira.
Antes de mais nada, deve o
Executivo, por intermédio de seus órgãos competentes, dar ao povo,
indistintamente, condições dignas de sobrevivência, crescimento e formação
educacional. Apenas "ad argumentandum", se porventura for instituída
a pena de morte, não passará de mais uma escolha impensada, inoportuna, cômoda
e injusta da maioria de nossos dirigentes e legisladores, medida esta que
incidirá sobre a classe já oprimida, minoritária e pobre, enquanto outros delitos
como os acidentes de trânsito (que fazem anualmente milhares de vítimas fatais)
ou os chamados crimes do "colarinho branco" etc, continuarão
praticamente impunes, em razão da inexistência de uma legislação aos nossos
dias.
Inegável que a conjuntura hodierna é insustentável e reclama a tomada de providências imediatas. Todavia, a oficialização da pena de morte é indiscutivelmente medida juridicamente impossível, face a sua inconstitucionalidade manifesta, além de afrontar nossos princípios de formação básica e o mais importante direito individual e indisponível do ser humano - a vida.