Sabe-se que as atenções da ciência
processual civil neste final de século, diferentemente do que ocorreu no
passado quando os estudos da doutrina estavam voltados para as "teorias
das ações", dirigem-se para as "teorias da jurisdição" em busca
da harmonização do princípio constitucional do acesso à justiça como direito e
garantia inarredável de todas as pessoas à obtenção de tutela jurisdicional
pública ou privada.
O cerne da temática universal reside
basicamente no delineamento dos contornos da jurisdição privada diante de sua
natureza jurídica eminentemente contratual (privatista), em paralelismo
tangencial com a jurisdição estatal (publicista), sem que se verifique,
portanto, qualquer sobreposição entre elas.
Busca-se, desta feita, a simetria ou
harmonização entre as duas formas de jurisdição, onde a arbitragem afigura-se
como instituto do mais alto relevo no mundo contemporâneo matizado pelo
fenômeno da "globalização", sobretudo em razão das novas feições
atribuídas por intermédio da Lei 9.307/96 que passou a viabilizar
alternativamente às pessoas capazes de contratar, a possibilidade de resolução
de seus conflitos de caráter patrimonial disponível através da jurisdição
privada, mediante cláusula compromissória ou compromisso arbitral.
Desta feita, o juízo arbitral não exclui ou
se sobrepõe ao Estado-juiz, figurando num amplo contexto sócio-político e
jurídico como mais uma forma diferenciada de prestação de tutela e desde que
assim as partes litigantes convencionem livremente, ampliando sensivelmente o
espectro do acesso à justiça, como expressão ontologicamente sinônima ao acesso
à jurisdição. Outro, aliás, não é o sentido que merece ser atribuído ao
princípio da inafastabilidade da jurisdição estatal, insculpido no inc. XXXV,
art. 5° da Constituição Federal. Assinala-se que a Lei 9.307/96 em lodos os
seus dispositivos não exclui da apreciação do Poder Judiciário qualquer
apreciação de lesão ou ameaça a direito. O que se verifica é a facultatividade
concedida pelo microssistema aos interessados que desejarem em comum acordo
solucionar os seus litígios de natureza patrimonial que admitem transação por
intermédio de um terceiro imparcial que goza da confiança de ambos (poderá ser
um árbitro ou tribunal arbitral), Portanto, "acesso à justiça" ou
"acesso aos tribunais" nada mais significa do que pleno e amplo
acesso à jurisdição pública ou privada.
Por outro lado, tendo-se em conta que o
objeto da controvérsia capaz de viabilizar a instituição do juízo arbitral
haverá de ser necessariamente de caráter patrimonial disponível, o liame
formado decorrerá sempre da vontade das partes, seja para contratar como para
solucionar o conflito decorrente desta mesma relação contratual). Nada mais
lógico e até elementar esse entendimento, pois se a lei civil ou comercial
confere a uma pessoa capacidade para dispor de maneira livre e irrestrita de
seu patrimônio não poderá rechaçar a forma de resolução do próprio conflito:
trata-se de um raciocínio jurídico apenas coerente, pois é sabido que todo
aquele que pode o mais, pode também o menos".
Em outras palavras, se ao entabular uma
negociação civil ou mercantil as partes contratantes definem em comum acordo
através de cláusula específica sem previsão de retratabilidade que na hipótese
de verificar-se no futuro algum litígio decorrente daquele mesmo contrato ele
haverá de ser resolvido por intermédio de juízo arbitral (indicando-se ou não
desde logo o árbitro, tribunal ou instituição arbitral), juridicamente
impossível se toma o inadimplemento do avençado por qualquer, um dos
contratantes no que tange a instituição da arbitragem, Nesses casos o
interessado poderá perfeitamente exigir que a ex adversa firme o compromisso
arbitral isto se a cláusula arbitral já não trouxer em seu bojo os requisitos
mínimos necessários para o delineamento do compromisso, nos termos do art. 10
da Lei 9.307/96 denominada cláusula arbitral cheia. Assim sendo, inexistindo
no caso concreto qualquer vício capaz de macular a vontade da parte contratante
que recalcitra em instituir o juízo arbitral, não se vislumbra qualquer sinal
de inconstitucionalidade às disposições contidas nos arts. 6°, 7°, 41 e 42 da
Lei 9307/96.
Nos dizeres de Giovanni Verde. “A
experiência tumultuosa destes últimos quarenta anos demonstra que a imagem do
Estado onipotente e centralizador é um mito que não pode (e, talvez, não
mereça) ser cultivado, Deste mito faz parte a idéia de que a justiça deva ser
administrada exclusivamente pelos seus juízes." (L'arbitrato secondo
Em síntese, podemos afirmar que: a) O
instituto jurídico da arbitragem norteia-se pelo princípio contratual da
livre vontade das partes, à medida que encontra ressonância apenas em litígios
que versam sobre direitos patrimoniais disponíveis, razão pela qual podem optar
pela resolução privada, donde exsurge a sua natureza contratual
jurisdicionalizante; b} não se vislumbra qualquer inconstitucionalidade na Lei
9,307/96, tendo-se em conta que ela preserva a autonomia da vontade das partes
para a estipulação de convenção arbitral (cláusula ou compromisso) assim como
aparece em forma alternativa e opcional de resolução dos conflitos que admitem
transação c) por conseguinte, o juízo arbitral não exclui ou se sobrepõe ao
Estado-juiz, figurando no sistema positivado como mais uma maneira colocada à
disposição dos jurisdicionados para a resolução de suas lides civis ou
comerciais (nacionais ou internacionais), sem descurar das garantias
constitucionais do devido processo legal; d) o Poder judiciário controla
indiretamente a jurisdição privada por diversas maneiras: d1) pela instauração
judicial do juízo arbitral através de demanda especifica; d2) através da
execução forçada, embargos do devedor ou por ação anulatória da sentença
arbitral; d3) pela efetivação das medidas coercitivas e de urgência; d4)
conhecendo as questões prejudiciais de caráter indisponível relacionadas com a
lide arbitral; d5) através do controle de reconhecimento e execução de
sentenças arbitrais estrangeiras, peio Supremo Tribunal Federal.
Conclusão: O instituto jurídico da
arbitragem, com as novas feições conferidas pela Lei 9.307/96, reveste-se de
natureza eminentemente contratual (privatista), em paralelismo tangencial
sincronizado com a jurisdição estatal (publicista), sem que se verifique
qualquer sobreposição entre elas, mas verdadeira simetria jurisdicional,
porquanto norteado pela facultatividade concedida pelo microssistema
específico aos interessados que desejarem, em comum acordo, solucionar os seus
conflitos de natureza patrimonial que admitem transação através de árbitro ou
tribunal arbitral, de maneira que o chamado "direito de acesso à
justiça" ou "direito de acesso aos tribunais" nada mais
significa do que o pleno e amplo "acesso à jurisdição pública ou
privada".