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AÇÕES SINCRÉTICAS E EMBARGOS DE RETENÇÃO POR BENFEITORIAS NO ATUAL SISTEMA E NO 13.0 ANTEPROJETO DE REFORMA DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - ENFOQUE ÀS DEMANDAS POSSESSÓRIAS*

    1. Introdução

 

    Vivemos hodiernamente em nosso País com três crises independentes e de origens distintas, porém umbilicalmente interligadas em seus efeitos diretos e reflexos, à medida que se traduzem na angústia sentida por todos os jurisdicionados (notadamente os menos abastados) que acorrem ao Poder Judiciário para a busca de soluções rápidas e efetivas aos seus conflitos intersubjetivos de mais variada ordem. Estamos falando das crises dos operadores do Direito, do Judiciário, e do sistema legislativo.

 

    O que denominamos de crise dos operadores do Direito pode ser definida brevemente como a deficiência generalizada do ensino brasileiro em seus três níveis, agravada pela massificação dos cursos universitários e a proliferação ir­responsável dos chamados campus que representam nada menos do que a inacei­tável mércia ao desserviço cultural, tendo em vista o despreparo e ausência de titulação do corpo docente, inexistência de bibliotecas criteriosamente elabora­das e a falta de visão crítica do professorado a respeito de questões sócio-políti­cas, filosóficas e históricas da ciência jurídica, acarretando a desqualificação dos nossos futuros bacharéis em Direito.

 

 

    Lamentavelmente, os professores, em sua grande maioria, transformaram-se em singelos repetidores de idéias clássicas (não raro até ultrapassadas) e de pouca utilidade nesta virada de milênio; tornaram-se preparadores de estereótipos tecnocratas forenses ou, talvez melhor, servos do sistema nomo-empírico prescritivo que, brevemente, passarão apenas a operar o direito positivo, sem re­fletir criticamente a respeito da ciência jurídica.

 

    Por sua vez, a crise do Judiciário decorre basicamente da desproporção bru­tal entre o elevadíssimo número de demandas e o insignificante número de Ma­gistrados em todos os graus de jurisdição, o que se agrava com a malsinada cultu­ra recursal difundida desde os bancos acadêmicos, como se fosse a única maneira de se encontrar a verdade real e processual (certeza jurídica em processo de cogni­ção) e, conseqüentemente, a decisão justa, quando sabemos que é propriamente o inverso que se verifica na prática, tendo em vista que o processo produz versões.

 

    Essa circunstância torna-se ainda mais grave quando somada ao deficiente sistema de recrutamento dos juízes, a problemática formação universitária desses candidatos (e serão eles os futuros magistrados), os serventuários desqualificados e os parcos recursos financeiros disponíveis para viabilizar um aparelhamento adequado e remuneração condizente com as respectivas funções de seus mem­bros e funcionários. Como se não bastasse, ainda tremula a preocupante e enga­nosa bandeira do censurável "controle externo da magistratura" ...

 

     Finalmente, a crise do sistema legislativo pode ser sintetizada através do in­comensurável número de normas federais, estaduais e municipais, somando-se às desmedidas portarias, circulares e ordens de serviço, que, em conjunto, transfor­mam-se em insegurança jurídica e ameaçam o próprio estado democrático de direito. Como se não bastasse, o executivo passou a legislar proporcionalmente muito mais do que o próprio Poder Legislativo; por sua vez, este último limita-se a ratificar as normas editadas "provisoriamente" pelo Executivo ou a criar leis comprometidas com os interessas das classes dominantes ou decorrentes de pro­messas de palanque eleitoral.

 

    Dentro desse último contexto legislativo, podemos ainda pinçar a crise do processo civil que decorre do não comprometimento do Código de 1973 com a efetividade do instrumento e a satisfatividade rápida das pretensões dos jurisdicionados através da realização do direito material. Em outras palavras ­notadamente antes das últimas reformas introduzidas no Código de Processo Civil -, possuíamos um Código "tecnicamente perfeito", porém, inviável em termos práticos.

 

    Com muita acuidade, nesse mesmo diapasão, assim se manifestou o Profes­sor Francisco Rezek: "Há no Direito brasileiro dois vícios graves pedindo, já faz tempo, remédio urgente. Nossas regras de processo, antes de tudo, parecem não querer que o processo termine. Os recursos possíveis são muitos (creio não haver fora do Brasil trama recursiva tão grande e complicada), e pouca gente hoje crê que isso ajude mesmo a apurar melhor a verdade para melhor fazer justiça. (...) Depuradas com coragem as regras de processo, moderada a fecundidade com que se produz o direito material e melhorada sua qualidade (ainda que pela só opção dos caminhos simples), nada mais seria preciso para superar a crise do nosso Direito, de que a da Justiça é mero subproduto. Isso não pede mais que algum trabalho, método e consciência do legislador. Não cresce, nessa reforma, a despe­sa pública." E arremata o ex-ministro, hoje juiz da Corte Internacional de Justiça, em Haia: "Depender do socorro da Justiça, com tudo o que isso exige em maté­ria de dispêndios, energia e paciência, pode ser mero contratempo na agenda de um norte-americano médio. E uma brutalidade no caso de um brasileiro co­mum. Apesar de tudo, é algo que se banaliza e invade o cotidiano dos nossos cidadãos mais modestos, íntegros, organizados e amantes da paz. No entanto, não me parece fantasioso ou delirante pretender que uma pessoa de bem possa, em princípio, atravessar sua vida sem jamais se envolver em conflito de relevo, sem precisar, assim, contratar advogados e bater à porta imprevisível do foro. A situação que vivemos é patológica, e é puro cinismo pretender vendê-la ao público como normal, saudável, quem sabe como prova de vitalidade da demo­cracia pluralista." (grifei).[1]

 

    Por outro lado, os sistemas legislativos originários de civil law herdaram a parte menos nobre do direito romano ou, melhor, do direito romano decadente de influência cristã bizantina, razão pela qual podemos afirmar que o nosso processo civil não é romano, mas sim romano-canônico, significando dizer que absorve­mos o regime da actio que, por sua vez, era decorrente da obbligatio, terminando por gerar a condemnatio (sentença de mera exortação), enquanto os inlterdictus (tutela ad interdictum) passaram em sua pureza e inteireza para os sistemas deno­minados de common law, onde o julgador - assim como fazia o preto r romano ­ordena e autoriza, sob pena de imposição de alguma sanção (medidas coercitivas) e desobediência.

 

    Portanto, herdamos um processo civil romano que sofreu sensivelmente os influxos do direito canônico e medieval, culminando com o agravamento do libe­ralismo e iluminismo dos séculos XVIII e XIX, onde mais do que nunca o juiz se fez passar tão-somente como a "boca da lei" mercê de ingênua imparcialidade e eqüidistância dos litigantes, assim como a jurisdição limitou-se ao acertamento e declaração do direito, dissociando-se da execução ou qualquer medida coercitiva para não violar os princípios orientadores da época das luzes.[2]

 

    Com o advento da jovem ciência processual civil em meados do século pas­sado formaram-se as regras norteadoras do chamado processo "clássico"; muitas dessas regras transformaram-se em princípios e estes em dogmas tendentes a eternizar-se. Se por um lado a autonomia e a afirmação da ciência processual foram um marco e uma necessidade na história do Direito, de outra parte, torna­ram-se, durante mais de cem anos, um verdadeiro obstáculo para a realização do direito material, à medida que, paulatinamente, o processo civil desprezou a instrumentalidade para fazer-se um fim em si mesmo, em detrimento dos pró­prios jurisdicionados e da paz social.

 

    Nesse ínterim, criaram-se muitos dogmas e não poucos mitos ... Dentre eles, interessa-nos mais diretamente a crença na busca da verdade através de um pro­cesso de conhecimento fundado na ordinariedade e matizado por cognição plena e exauriente a desaguar numa sentença condenatória com o escopo de criar um título judicial revestido de liquidez, certeza e exigibilidade, a fim de justificar um processo de execução por sub-rogação e, finalmente, atingir a satisfatividade do vencedor da demanda.

 

    Vivemos, portanto, durante praticamente dois mil anos, sob o jugo do princí­pio mitológico da nulla executio sine titolo, enquanto as suas raríssimas exceções estampadas em típicas ações mandamentais e executivas lato sensu (v. g. ações possessórias de força nova, despejo, reivindicatória, mandado de segurança) eram justificadas como integrantes de uma obsoleta classificação ternária onde apare­ciam circunscritas às malsinadas demandas "condenatórias", sendo que a executividade ou a mandamentalidade não passavam de um simples exaurimento no plano fatual da satisfatividade conferida na condenação ao vencedor. Em ou­tros termos, o injustificável restava inexplicável...

 

    A verdade é que as ações mandamentais assim como as executivas lato sensu perambulavam pelo cenário jurídico sem que os cépticos "clássicos" admitissem a sua existência e autonomia como integrantes de uma subdivisão das ações de conhecimento, notadamente em razão do silêncio tumular do nosso Código Ins­trumental que absorveu de maneira cega a teoria italiana do início do século e mais recentemente de Liebman.

 

    Não se pode negar também que, lamentavelmente, o processo civil clássico procurou sufocar (em vão) a existência da ação de direito material em prol de uma pseudo-pureza da nova ciência processual e quiçá da própria e então emer­gente teoria eclética das ações, como se elas fossem absolutamente incompatíveis entre si. Esquematizou-se, assim, uma "classificação das ações" fundada exclusi­vamente em critério instrumental que resultou no desacerto, por décadas, da admis­sibilidade apenas de demandas cognitivas modeladas pela ordinariedade e que gerariam sentenças declaratórias, constitutivas e condenatórias, convivendo ao lado das acautelatórias e executivas stricto sensu.

 

    Essa concepção teorizada, além de desprezar a classificação quinária das ações (que acrescenta as mandamentais e executivas Lato sensu), ignora de plano as relações de direito material que haverão de originar as respectivas tutelas juris­dicionais diferenciadas e efetivamente sintonizadas com a pretensão articulada e a satisfação perseguida, ou seja, a necessária adequação da ação de direito mate­rial à "ação" processual.

 

    Afigura-se-nos a formulação de uma classificação diversa das "ações" to­mando-se como ponto de partida e critério a tutela jurisdicional perseguida e baseada na respectiva relação de direito material sobre a qual incidirá a proteção pleiteada. Nessa seqüência, classificamos as ações da seguinte forma: a) declaratória; b) constitutiva; c) ressarcitória; d) recuperatória; e) vindicatória; j) inibi­tória; g) acautelatória; e h) executiva stricto sensu.

 

    Para concluirmos essa fase introdutória de nosso estudo, assinalamos que até o advento da Lei 8.952/94 que instituiu para o processo de conhecimento de rito comum a viabilidade jurídica de obtenção de tutela jurisdicional antecipada ge­nérica e específica, vivíamos a doce ilusão baseada na crença mitológica e milenar da impossibilidade de se obter satisfação (execução) enquanto não produzísse­mos um título judicial hábil a ensejar um processo executório (execução de sen­tença condenatória).

 

     Desta feita, as chamadas ações sincréticas cada vez mais se avultam e pas­sam a criar notoriedade - agora mais recente - através da excelência do 13.º Anteprojeto de Lei de reforma do CPC e outras providências (também chamado de Base XIII), definido em reunião da Comissão coordenada pelo Instituto Brasi­leiro de Direito Processual e Escola Nacional da Magistratura, realizada em Sal­vador, em novembro de 1998, mormente no que se refere à nova redação dos arts. 273, 461, 621 e 644, além da incursão de um novo dispositivo - o art. 461 A - que admite a antecipação de tutela específica às ações que tenham por objeto a entre­ga de coisa. Ressalta-se ainda, dentre outras novidades, a incursão do efeito devolutivo como regra para o recebimento das apelações, ressalvadas as causas relativas ao estado e à capacidade das pessoas (art. 520) e a nova sistematização e redação conferida ao art. 744, que passará a integrar o Capítulo III, do Título III do Livro II, ou seja, os embargos à execução fundada em título extrajudicial.

 

    Todavia, como o sistema ainda se funda na classificação ternária das ações, e, portanto, ignora a existência das ações mandamentais e executivas lato sensu, alguns problemas de não pouca complexidade exsurgem desta concepção, valen­do ressaltar apenas a questão relativa aos embargos de retenção assegurados ao possuidor de boa-fé em face das benfeitorias úteis e necessárias por ele realiza­das, nos termos do disposto no art. 516 do CC e em confronto com o art. 744, caput, do CPC, in verbis: "Na execução de sentença, proferida em ação fundada em direito real, ou em direito pessoal sobre a coisa, é lícito ao devedor deduzir também embargos de retenção por benfeitorias."

 

    Em outros termos, a inserção do problema que formulamos é a seguinte: Como equacionar a natureza jurídica das ações de reintegração de posse de força nova (e outras ações sincréticas) com as regras de direito material perti­nentes à retenção por benfeitorias necessárias e úteis?

 

    2. Algumas considerações sobre as ações sincréticas

 

    Denominam-se ações sincréticas todas as demandas que possuem em seu bojo intrínseca e concomitantemente cognição e execução, ou seja, não apresen­tam a dicotomia entre conhecimento e executividade, verificando-se a satisfação perseguida pelo jurisdicionado numa única relação jurídico-processual, onde a decisão interlocutória de mérito (provisória) ou a sentença de procedência do pedido (definitiva) serão auto-exequíveis.

 

    Há muito pouco tempo, falar na doutrina brasileira em remédio jurídico de natureza sincrética significava, de certa maneira, uma afronta aos princípios do processo civil clássico ancorado na nulla executio sine titolo e, conseqüentemen­te, na irreparável cisão entre cognição e execução. Mutatis mutandis, era um risco permanente de subversão a um "dogma" pelo qual a Santa Inquisição fatalmente condenaria os seus defensores ao fogo eterno e execração em praça pública.

 

    Não foi por menos que o culto Professor Ovídio Baptista da Silva assinalou que "A avassaladora ideologia que se oculta a afirmação, hoje incontroversa em doutrina, da inconciliabilidade entre cognição e execução, pode ser vislumbrada nesta passagem de Liebman, em que ele procura mostrar que a atividade judicial, no processo de conhecimento, é 'prevalentemente de caráter lógico', ao passo que, no processo de execução, tem ela o caráter de 'operações práticas', tendentes a efetivar a 'regra jurídica sancionadora', indicada pela sentença. Escreve o juris­ta (op. cit., n. 18): A posição jurídica das partes também é diferente. Na cognição elas estão em posição de equilíbrio, pois não se sabe qual delas está com a razão e nada pode ser feito sem que todas elas sejam ouvidas ou possam fazer-se ouvir, de acordo com o princípio do contraditório (o original não está grifado): todas operam, cada uma no sentido do próprio interesse."

 

    E prossegue o Mestre gaúcho: "É fácil perceber que Liebman confunde 'pro­cesso de conhecimento' com procedimento ordinário, pois somente nesta espécie de jurisdição cognitiva 'nada pode ser feito' pelo magistrado sem a prévia audiência das partes. Como explicaria ele - e toda a doutrina formada a partir de Chiovenda - a mistura entre cognição e execução nos procedimentos especiais portadores de liminares, como sucede, por exemplo, com nossos interditos possessórios e com o mandado de segurança, onde 'tudo pode ser feito' sem que o réu seja ouvido previamente, e onde a execução mistura-se com a cognição e até mesmo a precede?"

 

    "... O equívoco fundamental da doutrina da separação entre conhecimento e execução é ter exagerado tanto ao pressupor que, no processo cognitivo o magis­trado nada possa fazer, porque tudo lhe é desconhecido e sobre todas as questões existem controvérsias, de modo que faltem elementos de convicção para prover, mesmo provisoriamente, no curso da demanda; quanto o ter exagerado, também, ao supor que o título executivo seja a expressão inequívoca do direito de crédito que ele, num dado momento, representou." (grifei).[3]

 

     O Professor Humberto Theodoro Jr., em sua Tese de Doutoramento defendi­da na década de 1980 na Universidade Federal de Minas Gerais enfoca muito bem o problema da separação e autonomia dos dois processos, terminando por defender a reforma da execução de sentença como imperativo de ordem pública e, conseqüentemente, a abolição da ação autônoma execucional, por intermédio de unificação e sincretismo entre cognição e satisfação.

 

    Lança, então, o festejado Professor mineiro a seguinte indagação: "Sendo certo que o fim do processo é a composição efetiva da lide, poder-se-ia admitir, in casu, como cumprida a função jurisdicional, de tal maneira a dar-se por definitivamente encerrado o processo, apenas com a prolação da sentença condenatória?" E responde: "Uma vez que, no procedimento condenatório, a sentença contém comando no sentido de impor ao vencido a realização da prestação reclamada pelo vencedor, e porque ninguém pode garantir que aquele vai cumprir esponta­neamente a condenação, é forçoso concluir que, mesmo após o encerramento formal desse tipo de processo, ainda subsiste a lide primitiva envolvendo as par­tes. Só mesmo a realização da condenação terá a força de eliminar do cenário jurídico o litígio, nessas circunstâncias, como é intuitivo." [4]

 

    Mais adiante, ao fazer o que denominou de balanço das vantagens da unifi­cação dos procedimentos condenatório e executivo, escreve com propriedade, nos seguintes termos: "E razão não há para persistir na manutenção de uma auto­nomia da execução de sentença que não se justifica, nem no plano lógico, nem no jurídico e muito menos no econômico." (...) "a) a pretensão que justifica a falsa dissociação em pretensão de condenar e pretensão de executar. Na realidade, só há uma pretensão: a de compelir o devedor à prestação sob inadimplência; b) se a lide real não se compõe apenas com a sentença condenatória, tem o órgão judi­cial, para atingir o desiderato da pacificação social, que prosseguir através de atos que tornem efetiva a restauração da ordem jurídica violada; c) se a condenação não basta para pacificar a lide, e necessária ainda se faz a atuação executiva, razão não há para encerrar-se a função jurisdicional com a sentença de mérito e exigir que o credor proponha outra ação para levar o órgão judicial a executar sua pró­pria ordem de condenação; (...) e) na verdade, a execução, como processo autô­nomo e completo, só se justifica na cobrança dos títulos extrajudiciais, porque equiparados à sentença, dispensam a fase de cognição e já autorizam o início da atividade jurisdicional no estágio da realização prática do direito do credor, sem perder tempo com a sua definição ou acertamento.

 

    E arremata: "É, pois, a nosso ver, hora de se pensar em maior profundidade, para através de medidas aparentemente singelas, penetrar na própria estrutura do nosso sistema processual, dele extirpando reminiscências de romanismo anacrô­nico, que não correspondem, evidentemente, aos atuais anseios de maior valori­zação e mais presteza da atuação jurisdicional.”[5]

 

    E como veremos a seguir, é justamente nessa linha de pensamento que de maneira gradativa, porém sensível, vêm avançando as reformas do nosso Códi­go de Processo Civil, que passa a reconhecer a classificação quinária das ações e o inarredável sincretismo entre cognição e execução, como fórmula de minimização da incidência do fator tempo no processo, em harmonia com os valores não menos importantes e representados pela segurança do juízo por intermédio do due process of law e da incessante busca da decisão justa. Rom­pem-se, desta feita, as barreiras do processo civil clássico e institui-se paulati­namente um instrumento de resultados e efetivamente voltado à realização do direito material.

 

    3. As reformas já instituídas e as futuras modificações do Código de Proces­so Civil fundadas no amálgama da cognição com execução

 

    Certamente o marco da cruzada reformista liderada por Sálvio de Figueiredo Teixeira reside na aprovação do Projeto que originou a Lei 8.952, de I3 de de­zembro de 1994 e, dentre outras modificações, instituiu os regimes de tutelas antecipatórias genéricas (art. 273) e específica (art. 461), rompendo assim o prin­cípio mitológico da nulla executio sine titolo e, somando-se a alguns procedimen­tos especiais sincréticos (v. g. possessória, mandado de segurança, busca e apreen­são fundada em alienação fiduciária etc.) a possibilidade jurídica de se obter em processos cognitivos de rito comum através de decisão interlocutória de mérito de natureza satisfativa e provisória (interinal satisfativa no plano fatual) os "efei­tos práticos da tutela pretendida", ou seja, simultaneamente execução e cognição sumária e limitada, baseada em juízo de verossimilhança.

 

    Se por um lado a novidade a muitos empolgou, por outro, apresentou-se ainda deficitária, porquanto em conflito com o próprio sistema codificado e com os princípios do processo civil clássico, à medida que se mantinha susten­tada pelo processo de conhecimento norteado pelas ações condenatórias, pela inexistência de um regime efetivo de execução provisória e pelo regramento do duplo efeito conferido aos recursos de apelação, acarretando perplexidade ao operador do direito que, de maneira ilógica, "podia o mais" (satisfação provisó­ria no mundo dos fatos através de tutela antecipada), mas não "podia o menos" (satisfação mediante execução provisória fundada em sentença de procedência impugnada). Acrescente-se ainda a verificação de regimes distintos de anteci­pação de tutela, o que causou inúmeras dificuldades práticas, tendo em vista a zona cinzenta estabeleci da entre as duas formas de tutela (genérica e específi­ca). E a dúvida permanece: como se executa, ou seja, qual o regime jurídico aplicável à antecipação de tutela genérica? Como se não bastasse, omitiu-se a respeito da antecipação de tutela para as demandas que tivessem por objeto a entrega de coisa ...

 

     Assim, a incursão da tutela antecipada revelou claramente a distinção feita pela doutrina processual tradicional entre tutela (outorgada pelo processo de co­nhecimento) e efeitos da tutela (únicos capazes de serem antecipados). Em outras palavras, o art. 273 do CPC deixa à mostra a impossibilidade total do processo de conhecimento - enquanto tutela ordinária - de produzir tutela antecipada. "Como se vê, a lei separa nitidamente a tutela de seus efeitos, prevendo que o magistrado somente poderá antecipar algum efeito, nunca a tutela pretendida no pedido ini­cial. Figuremos então um exemplo. Imaginemos que o autor esteja a promover uma ação de reintegração de posse. Que seria, nesta ação, a tutela pretendida pelo autor, e quais os seus efeitos, capazes de serem antecipados?"

 

    "Para a doutrina tradicional, a tutela será sempre aquela prestada pelo Pro­cesso de Conhecimento, reduzida à declaração e à constituição, contidas na sen­tença de mérito. Estas formas de tutela não poderiam ser antecipadas, como juízos definitivos de certeza, porque, evidentemente, os provimentos que os contives­sem não seriam simplesmente antecipações, ou liminares, mas julgamentos definitivos e finais. Teríamos, então, em, nosso exemplo, que a tutela pretendida pelo autor, na ação de esbulho possessório, não seria a recuperação da posse, eventualmente ordenada pelo provimento liminar antecipatório, e sim a simples declara­ção de que houvera esbulho e que ele, autor, tinha direito à recuperação da posse. Tutelar a posse corresponderia, na ação de esbulho possessório, a proclamar em sentença final de mérito, que o autor tem direito à restituição da coisa, perdida em virtude do esbulho. A entrega efetiva da coisa, o ato jurisdicional executivo, as­sim como a ordem, nas ações mandamentais, seriam, para a doutrina tradicional, apenas 'efeitos da tutela', ou como diria Alfredo Buzaid, simples posterius do ato jurisdicional típico, que seria a declaração do direito, ou no máximo a declaração a que se adiciona a constituição, nas sentenças constitutivas. Em última análise, o ato jurisdicional será sempre no Processo de Conhecimento, nunca em suas con­seqüências práticas ocorridas no processo executivo." [6]

 

    Nada obstante a esses conflitos e obstáculos naturais enfrentados pelo movi­mento reformador do Código de Processo Civil[7] os frutos até aqui colhidos são positivos e o 13.° Anteprojeto de Lei promete muito mais, à medida que procura corrigir distorções apontadas pela doutrina no que tange aos regimes de antecipa­ção de tutela genérica e específica, assim como prestigia o sincretismo das ações, mesclando e reunindo cognição com execução.

 

    A esse respeito assinala o Ministro Sálvio que "Expressivas igualmente são as inovações no processo executivo, justificadamente um dos pontos mais criticáveis da nossa legislação."

 

    "A Reforma, com a introdução do procedimento monitório (Lei 9.079/95) e com a Lei 8.953/94, já vinha buscando modernizar a execução civil brasileira. Agora, com o novo anteprojeto, vai além, dando um passo largo na concretização desse objetivo.''

 

    "Com efeito, o que se propõe é a supressão do processo executivo autônomo, em se tratando das obrigações de dar coisa, certa ou incerta, e das obrigações de fazer ou de não-fazer, o que importa dizer que, nessas modalidades de obriga­ções, em se tratando de título judicial (sentença), a execução será uma simples fase, sem possibilidade de embargos do devedor, a exemplo do que ocorre hoje com as ações possessórias, com as ações de despejo e com a ação de nunciação de obra nova. Dá-se aí, um 'processo sincrético', no qual se fundem cognição e execução (arts. 461 e 461A, 621 e 644)." (grifei).[8]

 

    Nesse diapasão, o 13.° Anteprojeto além de ser vanguardista, procura tam­bém corrigir várias distorções apontadas pela doutrina. Vejamos, então, rapida­mente, algumas dessas modificações: 1.º) arregimenta-se a tutela antecipatória genérica com a específica, facilitando o seu manejo prático voltado à busca da efetividade do processo[9]; 2.°) admite-se com base no princípio da proporcionali­dade a concessão de tutela antecipada, excepcionalmente, em se tratando de pro­vidência irreversível;[10] 3.°) redimensiona-se o espectro da chamada "ação cominatória" enquadrando-a aos parâmetros da antecipação de tutela específi­ca;[11] 4.°) amplia-se a incidência das astrentes para as hipótese de efetivação da tutela específica ou obtenção do resultado prático equivalente, em se tratando de demanda que versa sobre obrigação de fazer ou não fazer;[12] 5.º) cria-se a tutela específica para as obrigações de entrega de coisa;[13] 6.º) institui-se como regra o recebimento da apelação no efeito devolutivo;[14] 7.º) altera-se o regime da execução provisória;[15] 8.º) modifica-se o regime da execução para a entrega de coisa;[16] 9.º) alteram-se as disposições gerais da execução das obrigações de fazer e de não fazer;[17] 10.º) modifica-se a sistematização e altera-se a redação dos embargos de retenção por benfeitorias.[18]

 

    5. O direito de retenção por benfeitorias diante do problemático e atual sistema do Código de Processo Civil

 

    Outro aspecto que merece ser enfocado diz respeito às tutelas antecipatórias interditais concedidas em ações possessórias de força nova[19] e seus consectários ou em demandas também sincréticas de outra natureza que envolvam a recupera­ção, busca e apreensão ou imissão de posse (dependendo do objeto em questão ser móvel ou imóvel) no que concerne ao direito de retenção por benfeitorias necessárias e úteis (art. 516, CC) por parte do sujeito passivo da demanda que até então se enquadrava no perfil de possuidor de boa-fé.[20]

 

    Ocorre que nas demandas interditais em que se verifica a concessão de liminar, a sua executividade no âmbito do mundo fatual se dá de plano ou após intimação da parte contrária que, por sua vez, ainda não poderá oferecer resposta, mas ape­nas acompanhar a colheita das provas orais produzidas pelo autor, oferecendo contraditas ou reperguntando testemunhas,

 

    Sabemos que na primeira fase procedimental, a prova dos requisitos defini­dos no art. 927 do CPC é produzida sumária e exclusivamente pelo autor (unila­teralmente), em face das peculiaridades fáticas que envolvem as relações possessórias e os ilícitos praticados. A urgência na obtenção da tutela estatal antecipatória não está na dependência de demonstração de periculum in mora, mas tão-somente na violação consistente em atos de esbulho ou turbação, perpe­trados pelo réu, capazes de modificar o normal estado situacional de uso e gozo de um bem da vida, objeto do poder fatual sócio-econômico exercido pelo demandante.

 

    O sistema normativo foi fiel à tradição que remonta ao direito romano, além de considerar a importância sócio-econômica do fenômeno possessório, que re­quer estabilização no plano do mundo dos fatos (pela manutenção ou restabelecimento da situação ao status quo ante), razão pela qual viabilizou a antecipação de tutela interdital, em fase de cognição sumária, com eficácia provi­sória, fulcrada em juízo de verossimilhança.

 

    A providência juris-satisfativa, conforme já expusemos anteriormente, pode ser concedida in limine litis ou após audiência de justificação. Na primeira hipótese, o réu passa a ter ciência da decisão concessiva da liminar somente quando recebe a ordem judicial proibitória, de manutenção ou de reintegração (art. 928 c/ c. art. 932), enquanto que, na segunda, será "citado" para comparecer à audiência que for designada, ocasião em que poderá contraditar as testemunhas do autor ou, se desejar, apresentar reperguntas, apenas para esclarecer pontos obscuros ou contraditórios dos depoimentos.

 

    Os direitos conferidos ao sujeito passivo da relação processual, durante o trâmite da audiência de justificação, são limitados ao acompanhamento dos trabalhos, excluindo-se, portanto, qualquer possibilidade de arrolar e ouvir tes­temunhas, nem mesmo requerer o depoimento pessoal do autor. Significa dizer, que ao réu não é permitido fazer justificação paralela à do postulante. Aliás, o Código de Processo Civil não lhe confere essa prerrogativa nem sequer obriga o juiz a ouvi-lo.[21]

 

    Todavia, existem entendimentos divergentes. Alguns doutrinadores e tribu­nais assumem posição mais flexível, abrindo um leque de atuação mais avantaja­do, permitindo o oferecimento de contraditas e reperguntas as testemunhas;[22] ou facultando ao magistrado a ouvida das testemunhas indicadas pelo réu, desde que o julgador entenda necessário;[23] ou, admitindo o depoimento pessoal do réu;[24] ou, ainda entendimentos mais radicais, que defendem a tese da obrigatoriedade da ouvida das testemunhas arroladas pelo réu em fase de justificação.[25]

 

    Antônio Marcato passou a adotar na 7.ª edição dos seus Procedimentos espe­ciais essa última orientação, seguindo a linha traçada por alguns pretórios (ao nosso entender equivocada), baseado no fundamento de que " ... na fase de reali­zação da audiência o réu já se encontra totalmente integrado ao processo, deven­do ser irrestritamente observada, também em relação a ele, a garantia constitucio­nal do contraditório." E, em seguida, conclui o ilustre Magistrado paulista: "Deve o juiz presidente da audiência inquirir as testemunhas apresentadas pelo réu, to­mando o cuidado, no entanto, de evitar que ela se transforme em verdadeira audiência de instrução e julgamento, cingindo-se ao seu único e exclusivo fim: a obtenção de elementos de convicção que permitam a concessão da medida liminar reclamada pelo autor."[26]

 

    Não estamos de acordo com o entendimento do festejado Professor porquanto no summarissimum possessorium, na primeira fase procedimental (onde reside a especialidade da forma), o réu não está integrado totalmente na relação processual, tendo em vista que é "citado" - ou melhor, intimado - apenas para comparecer à audiência designada (art. 928, 2." parte), onde pode acompanhar todo o ato, contraditar as testemunhas arroladas e, excepcionalmente, apresentar reperguntas e/ou, se entender necessário, interpor recurso, oportunamente. Em fase subseqüen­te é que o Código prevê a efetiva citação do réu e a sua integração na relação jurídico-processual, com possibilidade de oferecimento de resposta (art. 930, caput).

 

    Por outro lado, não vislumbramos em termos práticos, como será realizada a audiência sugerida pelo citado Mestre, sob o crivo do contraditório, sem que se transforme em verdadeira instrução e julgamento, em face de que os elementos formadores da convicção do julgador, neste momento procedimental, são subs­tancialmente de mérito (art. 927), tratando-se de antecipação juris-satisfativa, no plano fatual, da tutela possessória (sentença de procedência do pedido).

 

    Por isso, já dissemos alhures, que seria um despautério, o réu comparecer em juízo para fazer prova oral sem ter previamente oferecido suas alegações; signifi­ca dizer, em outras palavras, que se admitida a tese contrária, estaremos diante da absurda inversão da produção de provas pelo sujeito passivo da demanda, antece­dente ao oferecimento de qualquer peça de defesa que contenha as suas alegações e pretensões. "Já a reinquirição e a contradita não se orientam no sentido de fazer prova favorável ao réu (prova das alegações do réu), mas no de impedir ou difi­cultar a formação de convencimento judicial favorável às alegações do autor."

 

    "A indicação de testemunhas pelo réu só seria aceitável quando se admitisse um verdadeiro contraditório prévio, ainda na fase inicial do processo - como se se tratasse do velho summarissimum possessorium, procedimento em si mesmo completo, se bem que de cognição não-plena. Esse não foi, contudo, O caminho tomado pelo Código."[27]

 

    Quando a concessão da tutela interdital opera-se somente ao final com a prolação de sentença de mérito favorável ao autor, também a execução da medida faz-se de plano, independentemente de citação do executado, o que inviabiliza a oposição de embargos de retenção nos moldes do art. 744 do CPC que pressupõe a pendência de um processo executivo fundado em título judicial (execução por sub-rogação).[28]

 

    Como então equacionar a natureza jurídica das ações de reintegração de posse de força nova com as regras de direito material pertinentes à retenção por benfeitorias necessárias e úteis? Para respondermos a essa indagação havemos de fazer, mesmo que rapidamente, uma análise crítica da sistemática adotada pelo legislador de 1973, que tomou por base a teoria eclética das ações, fundada por Liebman, assim como, a classificação ternária das demandas, com a conseqüente subdivisão das sentenças proferidas em processo de conhecimento em declaratórias, constitutivas e condenatórias.

 

    Analisando esse problema do momento processual oportuno para postular o direito de retenção por benfeitorias nas ações executivas lato sensu sob a luz do Código de Processo Civil, observa com propriedade Tercílio Pietroski que o legislador não foi feliz ao permitir o exercício do direito de retenção apenas às demandas ensejadoras de execução de sentença específica, deixando de fazer qualquer referência às hipóteses em que não haverá uma execução de sentença autônoma, mais especificamente nas ações executivas lato sensu que se afigu­ram em processos de conhecimento. E pergunta com agudeza o citado Profes­sor: "Será que o legislador, a exemplo da doutrina tradicional, tão-só concebeu a classificação trinária de eficácias sentenciais, desprezando a inegável classifi­cação quinária? Ou será que desconheceu a existência de ações executivas no processo de conhecimento?"[29]

 

    Sabe-se que o artífice do Código de 1973 foi o saudoso Professor e Ministro Alfredo Buzaid que, na qualidade de discípulo ferrenho de Enrico Tullio Lieb­man incorporou cegamente ao nosso sistema legislativo a sua teoria baseada na classificação ternária (ou trinária) das ações, não por desconhecer a classificação quíntupla - defendida no Brasil, na época, por Pontes de Miranda, dentre outros doutrinadores - mas sim, por fidelidade à doutrina italiana e por conceber que a executividade e mandamentalidade das sentenças não ultrapassariam os limites fatuais dos efeitos da sentença condenatória (consectária do acolhimento de pre­tensão articulada em ação condenatória), materializada através da simples expe­dição de um mandado judicial[30]. Basta que realizemos uma busca acurada em todos os livros do Código de Processo Civil que não vamos encontrar qualquer menção ou admissibilidade expressa da existência, mesmo que fugaz, das ações ditas mandamentais ou executivas lato sensu.

 

    Sensível a essas e outras deficiências do atual sistema instrumental ­notadamente no que concerne à efetividade do processo -, o "movimento refor­mista" liderado pelos Ministros Sálvio de Figueiredo Teixeira e Athos Gusmão Carneiro, tem introduzido cada vez mais alterações radicais e de fundamental importância para a realização do direito material, na busca incessante de reduzir o fator "tempo" sem descurar da segurança matizada pelo due process of law.

 

    Temos presenciado dia a dia em muitas propostas de reformas para a alteração do Código de Processo Civil (algumas já introduzidas no Código, V. g. as tutelas antecipatórias genéricas e específicas) o gradativo desvanecer da tão decantada classificação ternária das demandas, bem como, o abrandamento da cisão entre cognição e execução e o prestígio às chamadas ações sincréticas, seguindo a linha de pensamento ferrenhamente defendida por Ovídio A. Baptista da Silva e Pontes de Miranda. Prova maior dessa assertiva encontra-se insculpida no 13.º An­teprojeto de reforma do CPC, sintetizada no tópico precedente deste estudo.

 

    5. Equacionamento do problema e possíveis soluções

 

    Conforme já assentou orientação o Superior Tribunal de Justiça, em aresto bem lançado da lavra do Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, "Nas ações possessórias, dada a sua natureza executiva, a posse é mantida ou restituída de plano ao vencedor da demanda, mediante simples expedição e cumprimento de mandado, sendo inaplicável, em casos tais, o disposto nos arts. 621 e 744 do CPC. Eventual direito de retenção deve ser postulado quando do oferecimento de res­posta à pretensão possessória deduzida pela parte contrária, pena de preclusão. A indenização relativa às benfeitorias, se não pleiteada nos autos da possessória, pode ser reclamada em via processual específica."[31]

 

    Noutro julgado, desta feita através de aresto em que foi Relator o Ministro Nilson Naves, a mesma Corte frisou que os embargos de retenção por benfeitorias não cabem na ação possessória em razão de sua natureza jurídica, se o direito de retenção não foi anteriormente alegado e reconhecido. Esse direito há de ser plei­teado na resposta ao pedido possessório, sob pena de preclusão[32]. Todavia, con­trário senso, não se está a dizer nessa decisão que a oposição tempestiva de exce­ção fundada em posse de boa-fé acrescida à feitura de benfeitorias úteis ou neces­sárias, viabilizará os embargos de retenção nos moldes definidos no art. 744 do CPC, isto é, em fase de execução do julgado, tendo em vista que, conforme já dissemos alhures, a tutela possessória conferida liminarmente ou em sentença definitiva de mérito não agasalha essa fase processual, diante do seu caráter exe­cutivo lato sensu, variando apenas a interinidade.

 

    Pode-se afirmar, portanto, que a orientação jurisprudencial firmada é no sen­tido de que o momento procedimental oportuno para o requerido de boa-fé nas demandas interditais de força nova ou velha obter na mesma relação processual a indenização fundada em benfeitorias úteis e necessárias será através da formula­ção de pedido contraposto quando do oferecimento da resposta, notadamente em face do caráter dúplice das ações possessórias (actio dúplex), ocasião em que deverá o interessado especificar as benfeitorias realizadas, o seu custo e valor atual, assim como descrever o estado anterior e atual da coisa e a sua valorização decorrente das modificações implementadas. Se assim não fizer, o réu incidirá na preclusão e somente por intermédio de outra ação autônoma é que poderá obter a indenização pleiteada.[33]

 

    Havemos de dizer que no caso específico dos embargos de retenção por benfeitorias o problema criado no Código por Buzaid ainda se agrava mais, à medida que admitiu a oposição somente em processo execucional de sentença proferida em ação de natureza pessoal ou real, quando sabemos que, notadamente esta última, reveste-se, via de regra, de mandamentalidade ou executividade. Nada obstante, haveremos de encontrar uma solução dentro do próprio sistema posto, sob pena de vir o instrumento a se sobrepor ao direito material (direito de reten­ção por benfeitorias), o que seria ilógico e absurdo.

 

    A única saída encontrada pela doutrina e tribunais foi permitir ao réu que opusesse a exceção de mérito fundada em direito de retenção por benfeitorias úteis ou necessárias no exato momento em que oferecesse resposta, enxertando-­a na própria peça contestatória, sob pena de preclusão. Dessa feita, a efetivação ela ordem judicial no plano dos fatos através da executividade ficará sempre na condição suspensiva de cumprimento prévio da obrigação de indenizar, tendo em vista que a sentença de procedência da reintegração de posse reconhecerá concomitantemente ao réu o direito de retenção do bem litigioso até a obtenção do ressarcimento através da indenização postulada e deferida.[34]

 

    Por isso, o direito de retenção deve ser invocado quando do oferecimento da contestação, sob pena de preclusão. Em não se procedendo assim, não se incidirá em decadência, mas somente se obterá o ressarcimento desejado através da propositura de ação autônoma a ser dirigida contra o vencedor da reintegratória de posse.[35]

 

    Ainda mais grave é o problema verificado nas hipóteses em que o juiz con­cede ao autor a tutela li minar de reintegração de posse initio litis ou após a justificação prévia, ou seja, antes da formação do crivo do contraditório pela citação e oferecimento de resposta. Nesses casos, mesmo que o réu seja possui­dor de boa-fé e tenha edificado benfeitorias úteis ou necessárias, perderá o direito de retenção que, aliás, tornou-se agora juridicamente impossível (ao menos em princípio) em face de o autor ter recuperado a posse perdida na pri­meira fase procedimental da ação interdital de força nova, onde propriamente reside a especialização do rito.

 

    Em outras palavras, inviabilizou-se para O réu o exercício do direito de reten­ção por benfeitorias, mesmo que alegue tal circunstância na peça contestatória e produza prova robusta durante a instrução do processo, o que será totalmente inócuo para os fins colimados. Resta-lhe apenas, nessas hipóteses, o direito à indenização através do ajuizamento de ação ressarcitória autônoma ou tentar obter por intermédio da interposição de recurso de agravo por instrumento, liminar que modifique a decisão de primeiro grau e com a conseqüente revogação da medida concedida em seu desfavor.

 

    Em suma, arrematamos com a afirmação que cabe o exercício do direito de retenção nas ações possessórias de reintegração, mas não pela forma convencional dos embargos definida no art. 744 do CPC, mas sim, como exceção de mérito oposta quando do oferecimento da resposta (contrapedido)[36], ou através do recur­so de agravo por instrumento.

 

    Para concluir, se o remédio jurídico exige do Estado-juiz manifestação ur­gente em face das peculiaridades da situação concreta objeto da lide, e, para tan­to, o legislador prevê um rito especial ou tutela antecipatória (v. g. o swnmarissimum possessorium e outras ações sincréticas) para atender a essas necessidades, não se pode falar em qualquer violação de princípios; no máximo, o que se verifica, é uma natural limitação angular da bilateralidade, tendo em vista que a dialética processual, logo em seguida, estará prestigiada e prontamente estabelecida, a começar pela citação, oferecimento de resposta, interposição de recursos e todos os demais atos que caracterizam o contraditório, e, num plano superior, o princí­pio do devido processo legal.

 

    Desta feita, inexiste qualquer afronta ao princípio do contraditório, porquan­to a concessão da liminar decorre da própria natureza da relação fática posta sub examine. Assim, preleciona Ada Grinover, no sentido de que "Tendo em vista interesses superiores de justiça, o princípio do contraditório sujeita-se às vezes a certas limitações: freqüentemente, a ciência dos atos processuais à outra parte e a demora daí resultante poderiam tornar ineficaz a própria atividade judicial. Por isso, derroga-se - pelo menos aparentemente - o princípio do contraditório. Mas, como veremos, na realidade, nesses casos, não há verdadeira exceção ao contra­ditório. Essa tomada de posição é universal (...) tais medidas são sempre provisó­rias e podem ser ulteriormente reparadas ou modificadas, com intervenção a posteriori do interessado.

 

    "Não há, portanto, que cogitar-se sequer da eventual inconstitucionalidade de tais medidas, que na realidade não representam exceção ao princípio do con­traditório: como bem apontou Liebman, nos casos em que o juiz provê inaudita altera parte, esta pode defender-se sucessivamente, antes que o provimento ofen­da concreta e definitivamente seus interesses."[37]

 

    Inegável, também, que estamos diante de uma decisão tomada com base em juízo de verossimilhança e em momento processual de cognição sumária. Todavia, tal circunstância não nos autoriza a afirmar que o princípio do contraditório ou da audiência bilateral foi violado.

 

    É bem verdade, a concessão de liminar inaudita altera parte importa, de certa forma, em ruptura ou limitação dessa bilateralidade[38], em que pese de ma­neira efêmera e passageira, porquanto em momento processual sucessivo, o con­traditório instaurar-se-á em toda sua plenitude, restaurando-se o equilíbrio, a igual­dade entre as partes, garantidos constitucionalmente pelo direito ao devido pro­cesso legal (art. 5.°, incs. LIV e LV, da CF).[39]

 

    Em parte, nos dizeres de Oliveira Ascensão, sacrifica-se o princípio da contraditoriedade de modo a chegar-se rapidamente a uma composição provisória do litígio, sem prejuízo, evidentemente, da composição definitiva[40], que resultará de um conhecimento exauriente a ser realizado na segunda fase do processo interdital.

 

    Ademais, esse princípio deve ser aplicado em consonância com o tipo de processo, que é responsável pela determinação da forma e do conteúdo do due process of law[41]. Em outros termos, significa dizer que o espectro de aplicabilidade do devido processo legal, onde reside o princípio do contraditório[42], deve estar em sintonia com a ação de direito material, instrumentalizada pela demanda for­malmente deduzida em juízo, onde o autor articula sua pretensão baseado nas causas de pedir próxima e remota.

 

    6. Análise da questão sob a luz do 13.° Anteprojeto de reforma do Código de Processo Civil

 

    O 13.° Anteprojeto de Lei de reforma do Código de Processo Civil apresenta a solução definitiva para o problema excrescente criado pelo legislador de 1973 no que concerne aos embargos de retenção por benfeitorias, à medida que altera a localização e redação do art. 744, subtraindo-o do Capítulo II que versa sobre os embargos à execução fundada em sentença, sistematizando-o, desta feita, no Capítulo III do mesmo Título e Livro, que trata dos embargos à execução fundada em título extra judicial.

 

    Ainda não satisfeita, a Comissão de Reforma foi mais além, alterando radi­calmente a redação esdrúxula do malsinado art. 744, caput, ao dispor que "na execução para entrega de coisa é lícito ao devedor deduzir embargos de retenção por benfeitorias."

 

    Assim, os embargos de retenção poderão ser opostos somente em execução para entrega de coisa fundada em título extrajudicial (de acordo com a nova reda­ção conferida ao art. 621 do Anteprojeto), mantendo-se para as demandas que trazem em seu bojo o sincretismo da cognição com executividade a exceção de direito material do art. 516 do CC sob a forma de contestação ou, se for O caso, através de impugnação em agravo por instrumento, nos moldes assinalados no item precedente deste estudo.

 

    A grande novidade, portanto, decorre da aceitação por parte da doutrina mais lúcida da existência das ações mandamentais e executivas lato sensu, e, por con­seguinte, das tutelas perseguidas através de ações sincréticas, o que por si só exige do legislador uma nova postura voltada à redefinição e sistematização de vários institutos jurídicos do Código de Processo Civil, notadamente a execução (provisória e definitiva) e as antecipações de tutela, em busca de mecanismos ágeis para a satisfação das pretensões resistidas ou insatisfeitas dos jurisdicionados e, num plano metajurídico, da tão decantada paz social.[43]

 

    *Estudo dirigido à homenagem do mestre e amigo Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, líder incansável do atual movimento reformista do sistema instrumental civil brasileiro, em busca de um processo mais simples e verdadeiramente efetivo.

 

 

 

    [1] “O direito que atormenta". Folha de São Paulo, de 15.11.1998

 

    Nesse interessante artigo, Francisco Rezek faz ainda a seguinte observação que merece ser ressaltada: "Quando a Constituição garante, em qualquer processo, 'ampla defesa, com todos os recursos a ela inerentes', o leitor de boa-fé supõe que isso é para que ninguém deixe de provar sua inocência por falta de instrumentos adequados. Não se dá conta de que, em número muito maior de casos, o que essa regra favorece é a eternização do proces­so civil, quase sempre em favor da parte mais forte (eventualmente o Estado), e o compro­metimento do desfecho, ainda que justo, pela sua demora.

 

    [2] Para aprofundamento sobre o tema v. a excelente monografia de Ovídio A. Baptista da Silva, intitulada Jurisdição e execução na tradição romano-canônica. 2. ed. São Paulo: RT, 1997

 

    [3] Curso de direito processual civil. 3. ed. São Paulo: RT, 1998, v. II, p. J 57-158.

 

    [4] A execução de sentença e a garantia do devido processo legal. Rio de Janeiro: Aide, 1987. p. 201-202.

 

     [5] Op. cit., p. 253-254.

 

    [6] Ovídio A. Baptista da Silva. Jurisdição e execução na tradição romano-canônica. 2. ed. p. 190-191

 

    [7] E dificilmente poderia ser diferente, tendo em vista que regras, princípios e dogmas secu­lares não poderiam ser rompidos e absorvidos pela comunidade científica de maneira brus­ca ou repentina, fazendo-se mister a atualização gradativa e cautelosa.

 

    [8] Sálvio de Figueiredo Teixeira. As novas e boas propostas da reforma, n. 11.

 

    [9] Art. 273, § 3.°: "A efetivação da tutela antecipada observará, conforme sua natureza, as normas previstas nos arts. 588 e 461, §§ 4.° e 5.° e 461A."

 

    Por Outro lado, preocupa-nos a proposta de redação apresentada para acrescentar mais um parágrafo ao art. 273, tendo em vista que, subverte a sistematização das ações acautelatórias e confunde tutela cautelar com satisfatividade, desprezando a existência de lide nos pro­cessos cautelares e a correspondente existência de relação jurídico-processual acessória preparatória ou incidental, senão vejamos: "§ 6.° Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providências de natureza cautelar, poderá ser concedida esta, quando pre­sentes os respectivos pressupostos, como medida incidente da ação ajuizada."

 

    [10] Art. 273, § 2.°: "Não serão antecipados os efeitos da tutela quando houver perigo de irreversibilidade, salvo em casos excepcionais em que a sua denegação importe maior dano ao autor do que benefício ao réu."?

 

    [11] Art. 287. "Se o autor pedir que seja imposta ao réu a abstenção da prática de um ato, tolerar alguma atividade, prestar fato ou entregar coisa, poderá requerer comi nação de pena pecuniária para o caso de descumprimento da sentença ou da decisão antecipatória da tutela (arts. 461, § 4.°, 461A, 621, 644, 645)."

 

    [12] Art. 461. § 5.°: "Para efetivação da tutela específica ou para a obtenção do resultado prá­tico equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas neces­sárias, tais como, a imposição de multa diária, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras, impedimento de atividades nocivas, além da requisição de força policial."

 

    § 6.°: "O valor da multa poderá ser modificado pelo juiz, verificado que se tornou insufi­ciente ou excessivo."

 

    [13] Art. 461A. "Na ação que tenha por objeto a entrega de coisa, o juiz concederá a tutela específica, fixando prazo para o cumprimento da obrigação.

 

    § 1.º Tratando-se de obrigação para a entrega de coisa determinada pelo gênero e quanti­dade, o credor a individualizará na petição inicial, quando lhe couber a escolha; cabendo ao devedor escolher, este a entregará individualizada, no prazo fixado pelo juiz.

 

    § 2.° Não cumprida a obrigação no prazo estabelecido será expedido, em favor do credor, mandado de busca e apreensão ou de imissão de posse, conforme se tratar de móvel ou imóvel.

 

    § 3.° Aplicam-se à ação prevista neste artigo as disposições constantes dos §§ 1.º a 5.° do artigo anterior."

 

    [14] Art. 520. "A apelação terá somente efeito devolutivo, ressalvadas as causas relativas ao estado e à capacidade das pessoas."

 

    Mais completa era a redação do 12.° Anteprojeto (Base XI!) que previa um parágrafo único (com teor semelhante ao disposto no art. 283 do CPC italiano) estipulando que "Havendo perigo de lesão grave e de difícil reparação e sendo relevante a fundamentação, poderá o juiz, a requerimento do apelante atribuir à apelação, total ou parcialmente, tam­bém o efeito suspensivo, em decisão irrecorrível."

 

    [15] Art. 588. "A execução provisória da sentença far-se-á do mesmo modo que a definitiva, observadas as seguintes normas:

 

    I - corre por conta e responsabilidade do exeqüente, que se obriga a reparar os danos que o executado venha a sofrer;

 

    II - não permite, sem a prestação de caução, o levantamento de depósito em dinheiro ou a prática de atos que importem alienação do domínio ou dos quais possa resultar grave dano ao executado;

 

    III - fica sem efeito sobrevindo acórdão que modifique ou anule a que foi objeto da execu­ção, restituindo-se as partes ao estado anterior;

 

    IV - eventuais danos serão liquidados no mesmo processo.

 

    § 1.º No caso do inc. III, se a sentença provisoriamente executada for modificada ou anulada apenas em parte, somente nessa parte ficará sem efeito a execução.

 

    § 2.° A caução pode ser dispensada nos casos de crédito de natureza alimentar em que o exeqüente se encontre em estado de necessidade."

 

    [16] Art. 621. "O devedor de obrigação de entrega de coisa certa, constante de título executivo extrajudicial, será citado para, dentro de 10 (dez) dias, satisfazer a obrigação, seguro o juízo (art. 737, II), apresentar embargos.

 

    Parágrafo único. O juiz, ao despachar a inicial, poderá fixar multa por dia de atraso no cumprimento da obrigação, cujo valor poderá ser modificado quando se tornar insuficien­te ou excessivo."

 

    Art. 627. (...)

 

    § 1.º "Não constando do título o valor da coisa, ou sendo impossível a sua avaliação, o credor far-lhe-á a estimativa, sujeitando-se ao arbitramento judicial.

 

    § 2.° Serão apuradas em liquidação o valor da coisa e as perdas e danos."

 

    [17] Art. 644. "As sentenças relativas a obrigações de fazer ou não fazer executam-se de acordo com o disposto no art. 461 e seus parágrafos, observando-se, subsidiariamente as regras do presente capítulo."

 

    [18] Art. 3.° "O art. 744 do CPC passa a integrar o Capítulo m, do Título III do Livro II, com a seguinte redação:

 

    Art. 744. Na execução para a entrega de coisa é lícito ao devedor deduzir embargos de retenção por benfeitorias."

 

    (...)

 

    [19] Para aprofundamento sobre o tema v. a nossa obra intitulada Liminares nas ações possessórias, São Paulo: RT, 1995 (2 ed. no prelo).

 

    [20] Em interpretação aos arts. 490 e 491 do CC que dispõem sobre o vício subjetivo da posse (má-fé) temos entendido que várias são as circunstâncias que fazem presumir que o pos­suidor ignora que possui indevidamente, tais como: a) confissão do possuidor de que não tem nem nunca teve título; b) nulidade manifesta do título; c) existência de elementos que repugnam a legitimidade da posse; d) a desatenção, o desleixo, a falta de cautela na feitura da negociação (culpa omissiva); e) o oferecimento de contestação; f) a citação válida; g) a simples ciência a respeito dos fatos viciosos; h) a propositura da ação judicial possessória.

 

    O que se deve ter em mente é que o legislador brasileiro não exigiu prova cabal do conhe­cimento do vício por parte do réu, bastando a configuração de circunstâncias que façam presumir essa situação de fato para que o possuidor venha a perder a característica da boa­ fé (c[ Joel Dias Figueira Júnior. Posse e ações possessórias. Fundamentos da posse, n. 7.4. Curitiba : Juruá, v, I, 1994. p. 256-257).

 

    Nos dizeres precisos do Desembargador Nilton Macedo Machado, do TJSC, "Para a carac­terização da posse de boa-fé, é essencial que o título de quem a alega não revele o contrá­rio; cumpre ao julgador analisar os elementos circunstanciais de cada caso concreto, pois a boa-fé não se encontra no Íntimo do agente, mas na sua projeção externa, no mundo dos fatos (...)" (ApCiv 42149, JC 73/415. Apud Alexandre de Paul a, Código de Processo Civil anotado, ar!. 744, p. 3116. 7. ed. São Paulo: RT, 1998).

 

    [21] Lembramos que o revogado Código de 1939 é que facultava ao juiz a ouvida do réu, quando a comprovação dos requisitos legais à obtenção da liminar fosse feita em audiência de justificação - par. ún., art. 371.

 

Assim também Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil de 1939, p. 321, 1948, e TJSP, RT 135/656.

 

    [22] Cf. Ovídio Baptista da Silva. Procedimentos especiais, p. 265, Rio de Janeiro: Aide, 1993; Adroaldo Furtado Fabrício, Comentários ao Código de Processo Civil, n. 374, Rio de Janeiro: Forense, 1980, v. VIII, t.III, p. 553-555: Nelson Nery Jr, "Interditos possessórios", RePro, v. 52/177; e Theotonio Negrão, CPC. p. 551, art. 928, n. 13.5. São Paulo: Saraiva. 1998.

 

    [23] Cf. RT 499/105 e 609/98.

 

    [24] Cf. TACivSP, JTACivSP 63/142 e 64/79.

 

    [25] Cf. RT609/98 e JTA 106/35: TJMS, RJTMS 10/24.

 

    [26] Op. Cit., p. 123.

 

    [27] Adroaldo Furtado Fabrício, op. cit., p. 554.

 

    Nesse mesmo diapasão a orientação firmada pelo 1.° TACivSP ao assinalar que a audiência de justificação de posse é ato processual cujo objetivo é a complementação, pelo autor, da prova produzida com a inicial para atuar no convencimento do juiz no sentido da liminar. Impossibilidade de o réu produzir qualquer tipo de defesa ou contestação, admitindo-se apenas contraditar, acarear e reinquirir testemunhas do autor, com garantia do contraditó­rio (RT671/113).

 

    [28] Cf. TJSP, Boletil1l/nfor11lativo LBJ, n. 117/96, v. 8485. Agln 273815-São Paulo, rel. Des. Benini Cabral. J. 24.04.1996.

 

    No mesmo sentido v. 1.° TACivSP, ApCiv 269379, rel. Juiz Macedo Bittencourt, Rev. For. V. 278/220 (apud Sálvio de Figueiredo Teixeira, Código de Processo Civil anotado, art. 931, p. 611. 6. ed. São Paulo: Saraiva, São Paulo, 1996).

 

    [29] A ação de imissão de posse. Rio de Janeiro: Forense, 1992, p. 97 e RT 648/55. Momento processual para postular direito de retenção por benfeitorias nas ações executivas falo sensu

 

    [30] A posição de Buzaid, nesse particular, está patenteada com merídia clareza em sua obra intitulada Mandado de segurança - Do mandado de segurança individual (São Paulo: Saraiva, 1989), onde defende a classificação tripartite das ações para esse remédio consti­tucional, destinando um capítulo IV) para analisar a natureza jurídica da ação de mandado de segurança (p. 67-77), onde termina por concluir que o critério para esta fixação será o pedido formulado pelo impetrante que, dependendo do caso, será declaratório, constitutivo ou condenatório (p. 75-76). Assinala, ainda, que a executividade - apesar de não ser de pouca monta - "... ela é apenas um posterius, do qual o prius é a sentença que reconhece o direito líquido e certo do seu titular ofendido ou ameaçado por ato ilegal ou de abuso do poder praticado pela autoridade coatora. Entre um e outro há um nexo de interdependência não sendo legítimo atribuir ao efeito importância maior do que à causa que o determi­nou ... "E, mais adiante arremata: " ... A mandalidade não é, em conseqüência, um objetivo autônomo apto a criar uma nova categoria de ação, ao lado da declaratória, constitutiva e condenatória." (p. 72-73).

 

    [31] REsp 14138-0, MS, unânime, DJU de 29.11.1993, (apud Alexandre de Paula. Código de Processo Civil anotado, art. 744, 7. ed. 1998, p. 3111).

 

    Na mesma linha a orientação do TJSC, em acórdão bem lançado da lavra do Desembargador Pedro Abreu, cuja ementa assim leciona: "Para efeito de concessão de liminar, seja inau­dita altera pars ou após justificação prévia, em sede de interditos de reintegração ou de manutenção, é bastante um juízo de plausibilidade do alegado. já que a decisão tem caráter de provisoriedade, limitando-se a restabelecer a suposta e provável posse anterior ao pretenso esbulho ou turbação. As ações possessórias são procedimentos especiais unitários, englo­bando numa só relação processual, toda a atividade jurisdicional, desde a cognição à exe­cução. Daí porque não se aplicam às ações de manutenção e reintegração de posse as regras pertinentes à execução forçada e seus embargos, uma vez que não há, nos interditos, instância executória, posto que a posse é mantida ou restituída, de plano, ao vencedor da ação, mediante simples expedição de mandado de manutenção ou reintegração. Assim, tendo o demandado benfeitorias a indenizar, e pretendendo exercer, se cabível, o direito de retenção, há de fazê-lo na contestação, e nunca por via de embargos de retenção, após a sentença, porque tais embargos pressupõem a existência de uma execução de sentença, nos moldes de condenação para a entrega de coisa certa (art. 744 do CPC)." (Agln 96000001, Trombudo Central, 4.ª Cam. Cív., unânime, DJE de 24.07. J 996. Bol. de Jurisprudência Bonijuris, n. 277/96, v. 27841, p. 4016).

 

    Em outros termos, "Inviável no âmbito do cumprimento de liminar possessória a postulação de embargos de retenção por benfeitorias, que tem incidência apenas na execução para entrega de coisa ou, ainda, na fase executiva das ações de despejo e de reintegração de posse, desde que alegada a matéria e provadas na defesa as benfeitorias ensejadoras da retenção." (cf. TAMG, ApCiv 24.653, rel. Juiz Joaquim Alves).

 

    [32] Cf. STJ, REsp 46218-5, GO, RSTJ v. 75/357-58.

 

    [33] A jurisprudência é farta e praticamente unânime nesse sentido. A guisa de exemplo, v. 1.º TACivSP, ApCiv 681570-7, rel. Juiz Meio Colombi. ac. un. j. 07.11.1996, RT 741/281; TAMG, ApCiv 172257-0, rel. Juiz Cruz Quintão, ac. un. j. 26.04.1994, Adcoas de 10.06.1995, n. 147462, TJSP. ApCiv 214360-2, rel. Des. Mohamed Amaro, ac. un., j. 10.03.1994, JTJSP 157/53; TJMS, ApCiv 36581-3, rel. Des. Josué de Oliveira, ac. un. j. 27.06.1995, RJTJMS 107/83; TJDF. ApCiv 32144, rel. Des. Campos Amaral, Rev. Doutr. Jurisp. 44/374; TJBA, ApCiv 14.932-6, rel. Des. Paulo Furtado, ac. un., j. 30.08.1994. Adcoas de 10.11.1994 n. 145342 e de 10.04.1995, n. 146867 (apud Alexandre de Paula, Código de Processo Civil anotado, v. 3, art. 744, 7. ed., J 998. p. 311 1-3125).

 

    [34] Nesse mesmo diapasão o julgado do TAMG, in verbis: "Reconhecido o direito de retenção por benfeitorias, inadmissível a execução da sentença prolatada em ação reintegratória, visando à desocupação do imóvel, até que aquelas sejam indenizadas, configurando-se, assim, afrontoso a direito líquido e certo o ato judicial que determina a expedição de mandado de reintegração de posse." (MS 197472-3, rel. Juiz Ferreira Esteves, ac. un. j. 23.08.1995) (apud Alexandre de Paula, Código de Processo Civil (Inalado, art. 744, 7. ed., 1998. p. 3119).

 

    [35] Cf. STJ, DJU, de 29.11.1993, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira (apud Alexandre de Paula, Código de Processo Civil anotado, art. 744, 7 ed., 1998., p. 31 J I).

 

    [36] Cf. Tercílio Pietroski, op. cit., p. 106; TJRS, ApCiv 593156425, rel. Des. Teixeira Giorgis, RJTJRS, v. 166/327, j. 25.05.1994, ac. uno (Alexandre de Paula, Código de Processo Civil anotado, art. 744, p. 3115).

 

    [37] Ada Pellegrini Grinover. Os princípios constitucionais e o Código de Processo Civil. São Paulo: José Bushatsky, São Paulo, 1975. p. 94-96.

 

    Outro não é o entendimento de Nelson Nery Jr. ao anotar o inc. LV, do art. 5.° da CF: "Mesmo havendo decisão liminar antecipatória da providência jurisdicional de mérito, isto se dá pela própria natureza do pedido e não significa ofensa ao contraditório, pois a decisão é provisória e revogável. Isso ocorre com as possessórias e com a maior parte dos MS e ACP ... " (CPC, p. 74, art. 5.° da CF, inc. LV, n. 42.3. ed. São Paulo: RT, 1997).

 

    [38] No mesmo sentido, v. Ovídio Baptista da Silva, Curso, v. I, p. 67-69. 4. ed. São Paulo: RT, São Paulo, 1998.

 

    [39] Nesse sentido também, v. Arruda Alvim, ao fazer excelente análise do princípio do contra­ditório sob a luz do instituto jurídico da antecipação de tutela (Manual de direito proces­sual civil. 6. ed. São Paulo: RT, 1997, v. II, p. 390-401.

 

    [40] Direito civil reais. Coimbra : Coimbra, 1993, p. 112, n. IV.

 

    [41] Nelson Nery Jr., Código de Processo Civil, p. 73, art. 5.°, inc. LIV da CF, n. 35.

 

    Segundo o festejado Mestre paulista, "O princípio fundamental do processo civil que en­tendemos com base sobre a qual todos os outros se sustentam, é o 'devido processo legal', expressão oriunda da inglesa 'due process of law." (...) "Em nosso parecer, bastaria a norma constitucional haver adotado o princípio 'due process of law' para que daí decor­ressem todas as conseqüências processuais que garantiriam aos litigantes o direito a um processo e uma sentença justos. É, por assim dizer, o gênero do qual todos os demais princípios constitucionais do processo são espécies.

 

    "Assim é que a doutrina diz, por exemplo, serem manifestações do 'devido processo legal' o princípio da publicidade dos atos processuais, a impossibilidade de utilizar-se em juízo prova obtida por meio ilícito, assim como o postulado do juiz natural, contraditório e do procedimento regular." (Princípios do processo civil na Constituição Federal). São Paulo: RT. 1992, p. 25-26, n. 3.

 

    [42] Na lição de Carlos Alberto de Oliveira, "O contraditório constitui, sem dúvida, elemento essencial ao fenômeno processual, especialmente pela imprescindível participação dos interessados no 'inter' de formação do provimento destinado a interferir em sua esfera jurídica." (RePro 7317. "O juiz e o princípio do contraditório").

 

    [43] Parece-nos que a solução para o problema da efetividade do processo civil contemporâneo reside na admissibilidade e paulatino incremento das ações sincréticas em nosso sistema instrumental codificado. Parafraseando o festejado Mestre Ovídio A. Baptista da Silva em assertiva lançada durante o Curso de Atualização em Direito sobre Tutelas de Urgência auspiciado pelo Instituto de Ciências Jurídicas, na cidade de Blumenau/SC em novembro do ano transato, "a reforma do CPC poderia resumir-se num único dispositivo: Instituem-se as ações sincréticas e revoga-se o processo de conhecimento.