É justamente neste cenário tropical que
vamos encontrar, entre tantas outras questões interessantes, a busca
desenfreada e incessante de tutelas de urgências de natureza satisfativa
antecipatória interinal, voltadas à consecução imediata, isto é, liminar, dos
efeitos práticos da sentença de mérito, mesmo em delicadas situações que
envolvem relações de consumo, em que figuram como autoras, por exemplo,
instituições bancárias e financeiras, particularmente as que operam no ramo dos
contratos de arrendamento mercantil ou leasing.
2. Entre as avalanches de demandas que os
foros absorvem nos últimos anos encontra-se as reitegratórias de posse (rito
especial) de bem móvel com pedido liminar (art. 499, CC, e arts. 927 e 928,
CPC)ajuizadas pelas instituições financeiras contra os consumidores, fundadas
em inadimplemento contratual de “arrendamento mercantil” tendo por objeto
veículos automotores de procedência nacional ou estrangeira. Custou um pouco
para que a jurisprudência se apercebesse, o que de plano já nos parecia óbvio,
ou seja, que as ditas instituições efetuavam (e ainda efetuam), em grande
escala, contratos simplesmente rotulados como arrendamento mercantil quando, na
verdade, não passavam de uma verdadeira compra e venda de automóvel, em
prestações, com parte do pagamento efetuado no início da negociação e/ou
embutidas as parcelas de forma agregada e diluída no VRG.
Finalmente, colocou o STJ de maneira
precisa e acertada pá-de-cal nessas questões, ao assinalar que, em se tratando
de compra e venda a prazo ou prestações, a instituição financeira alienante
deixara de ser possuidora e, por conseguinte, despida de legitimidade ativa ad
causam para postular a tutela interdital de força nova (rito especial) ou mesmo
de força velha (art. 523, CC), porquanto fundadas no ius possessionis. Por
conseguinte, as iniciais passaram a ser indeferidas de plano e as ações em
tramitação extintas, sem julgamento de mérito, por carência de ação (art. 267,
VI, CPC).
3. Insatisfeitas e inconformadas com a
admissibilidade da tutela possessória específica capaz de chancelar a liminar
interdital de plano ou após a justificação prévia com base apenas no que a
doutrina milenarmente denomina commoda possessionis, essas mesmas instituições
financeiras passaram a criar uma nova e curiosa tese (no nosso entender
insustentável juridicamente), desta feita ancorada em pretensão desconstitutiva
obrigacional, na qual o pedido de rescisão contratual (natureza constitutiva
negativa) é somado a antecipação de tutela (liminar) de recuperação do
automóvel objeto do malsinado contrato de leasing.
Em outras palavras, essas instituições
financeiras estão procurando obter, por vias transversas, diante da vedação da
utilização dos interditos possessórios de rito especial, tutela liminar
recuperatória em ação de rescisão contratual (considerado agora como compra e
venda ou “quase-arrendamento” mercantil ou “falo leasing”).
4. Primeiramente havemos de salientar que
o instituto da antecipação de tutela inserido no processo de conhecimento de
rito comum através da reforma de 1994 (Lei
8.952/94) afigura-se como técnica emergencial de caráter
excepcionalíssimo, tendo em vista que viola o contraditório e subverte a ordem
dos juízos privados (ordo iuditiorum privatorum) e, por conseguinte, o due
process of law, não podendo ser banalizado e utilizado no foro de maneira
descomprometida com os princípios orientadores do processo civil, sobretudo
aqueles de natureza constitucional.
Não foi por menos que o legislador exigiu,
ao insculpir o instituto da tutela antecipatória genérica do art. 273 do CPC,
que o autor fizesse prova preliminar a ser apreciada pelo julgador em cognição
limitada não exauriente da verossimilhança do direito alegado (requisito geral
caput) sempre acrescido do perigo de dano irreparável ou de difícil reparação
ou, ainda de defesa temerária (requisitos específicos dos incisos I e II).
Portanto, não basta apenas a existência de qualquer um dos requisitos
específicos (perigo de dano ou defesa temerária), ou, ainda, tão-somente da
verossimilhança do direito alegado (requisito genérico), fazendo-se mister a
conjugação deste último com qualquer um daqueles.
Assinala-se ainda que o requisito da
verossimilhança hábil a respaldar os juízos provisionais satisfativos não se
confundem com o da probabilidade que, por sua vez, respalda as tutelas de
natureza acautelatória (não satisfativa). Aliás, na ciência jurídica, a questão
da verdade hermenêutica interliga-se com a teoria das provas, em que o provável
assim como o plausível não se confundem com o verossímil ou com a verdade.
5. Em segundo lugar, observa-se que as
demandas aforadas por instituições financeiras com base em inadimplemento do
consumidor em contrato de arrendamento mercantil, intituladas normalmente
rescisão contratual c/c recuperação de bens, perdas e danos e antecipação de
tutela, significam, na prática, sem sede de proteção emergencial, uma tentativa
de obtenção de satisfatividade com base no art. 273 do CPC em momento em que o
Judiciário, assim como a doutrina mais lúcida, repeliu veementemente a
utilização das reitegratórias de posse, com pedido liminar, justamente porque
esses contratos denominados “arrendamento mercantil” muitas vezes não passavam
de um “pseudo-arrendamento mercantil” ou falso leasing, tratando-se de compra e
venda de veículos mediante pagamento em prestações sucessivas (v.g.,12,18,24 ou
36 meses) com VRG embutido nas parcelas.
Nesses casos, deixam as instituições
financeiras de ter posse ou propriedade dos bens em razão da transferência de
fato e de direito já verificada aos consumidores adquirentes, segundo se infere
das clássicas normas do vetusto Código Civil (arts. 493, I e III, 520, IV e
620).
6. Ademais, há de se ressaltar que essas
lides versam sobre relação de consumo, merecendo um tratamento diferenciado de
cognição instrumental, tendo em vista que a análise do conflito, seja para fins
de tutela de urgência ou para a prolação da decisão definitiva de mérito, será
desenvolvida pelo prisma do Código de Defesa do Consumidor, em que um dos
pilares fundamentais reside na técnica de inversão do ônus da prova (art. 6°,
VIII).
Ora, se o pedido principal antecedente é a
desconstituição do contrato e a pretensão cumulativa acessória conseqüente é a
recuperação do veículo, esta última é lógica e absolutamente dependente do
acolhimento da primeira pretensão de natureza desconstitutiva (constitutiva
negativa).
8. Além da excepcionalidade da providência
antecipatória liminar delineada no art. 273 do CPC, há se de considerar também
que, ao figurar o consumidor no pólo passivo da relação processual, inverte-se
o ônus da prova, devendo então o autor produtor ou fornecedor demonstrar não
apenas a verossimilhança do direito alegado (requisito genérico) como também a
iminência de sofrer prejuízo irreparável ou de difícil reparação (requisito
específico). Para tanto, não basta alegar. Para a obtenção in limine litis da
tutela antecipatória pretendida em relações de consumo, torna-se imprescindível
que o interessado demonstre satisfatoriamente as suas alegações, de maneira a
crias efetivamente no espírito do Magistrado um juízo de quase-verdade, isto é,
de verossimilhança.
Ressalta-se mais uma vez que o
inadimplemento, por si só, é
insuficiente para embasar um juízo de quase-certeza, sobretudo porque, durante
a instrução, diversas situações e circunstâncias jurídicas virão à tona e
haverão de ser consideradas pelo julgador, tais como a validade das cláusulas
contratuais, se a questão envolve efetivamente um verdadeiro ou falso leasing,
índices utilizados para os reajustes das prestações etc. Não se pode deixar de
considerar também (e a prática forense assim tem demonstrado) a possibilidade
de o réu estar pagando extrajudicialmente o valor das parcelas que entende
plausível, mediante consignação bancária (art. 890, §1° CPC), ou mesmo se já
não aforou em outra unidade jurisdicional ação de consignação em pagamento ou
revisional de cláusula contratual etc. Indubitavelmente, essa e outras tantas
situações poderão emergir após a formação do contraditório, com o oferecimento
de resposta por parte do consumidor.
9. Bastaria, conforme já anotamos, a
ausência de provas para a formação de um juízo de verossimilhança para que a
tese da concessão de tutela antecipatória viesse a ser rechaçada de plano.
Porém em hipóteses como essas, a pretensão de urgência de caráter excepcional
articulada pelas instituições financeiras costuma ainda vir desacompanhada do
requisito específico da tutela antecipatória genérica, representado pelo
periculium in mora (art. 273, I, CPC), não ultrapassando o tênue campo das
ilações desacompanhadas até mesmo de indícios.
Em seus articulados iniciais, as
instituições ditas arrendadoras costumam afirmar que o perigo de dano reside na
circunstância de que o arrendatário poderá, a qualquer tempo, proceder à
ocultação do bem arrendado, ou em se tratando de veículo automotor, o uso, a má
conservação e o desgaste natural do tempo acabarão por depreciar
consideravelmente o seu valor. Porém, conforme já assinalamos, de regra, em
quase todos os casos, não se verificam nada mais do que alegações desprovidas
de provas, não passando da utilização de simples retórica desacompanhada de
qualquer conteúdo probatório.
10. Sintetizando, nada obstante comprovado
o requisito específico do perigo de dano (inc. I, art. 273), em hipótese alguma
haveremos de admitir a concessão de tutela antecipada contra o consumidor,
diante da ausência de verossimilhança do direito alegado (art. 273, caput), não
sendo a inadimplência, por si só, motivo suficiente para embasar providência de
mérito, satisfativa interinal, enquanto não rescindido o contrato, diante da
ausência de configuração de qualquer tipo de posse injusta (arts. 489 e 524,
CC) por parte do réu, sem contar que se trata de instituto jurídico embutido
nos processos de conhecimento de rito comum de caráter excepcional, notadamente
nas relações reguladas pelo Código de Defesa do Consumidor, em que o consumidor
é considerado por lei como hipossuficiente, razão pela qual inverte-se o ônus
da prova.
11. Para arrematar, registra-se que, em se tratando de decisão provisional, a qualquer tempo poderá ser revista pelo Magistrado, desde que, por óbvio, novas provas sejam produzidas ou modifiquem-se a situação fatual, revertendo-se o quadro preliminar delineando na peça inaugural pela instituição financeira arrendadora (fornecedora).