MUNICIPALIZAÇÃO DA JUSTIÇA – JUSTIÇA PARTICIPATIVA E COEXISTENCIAL*
1. A
crise da jurisdição
A forma como se encontra secularmente estruturado o Poder
Judiciário há de ser repensada, somando-se a necessidade cada vez mais premente
de se aprimorar e difundir as técnicas e instrumentos não ortodoxos de solução
de controvérsias, à medida que, o Estado-Juiz, por múltiplas razões, tem
deixado paulatinamente de cumprir de maneira satisfatória o seu papel de
pacificador social por intermédio da prestação da tutela jurisdicional
coercitiva (sentença de procedência ou improcedência do pedido). Faz-se ainda atual
a advertência lançada há duas décadas por Giovanni Verde, quando asseverou que
“a experiência tumultuada destes últimos quarenta anos nos demonstra que a
imagem do Estado onipotente e centralizador é um mito, que não pode (e talvez
não mereça) ser cultivado. Deste mito, faz parte a idéia de que a justiça deva
ser administrada exclusivamente pelos seus juizes”.[1]
Podemos afirmar que no mundo contemporâneo, sobretudo no
Brasil, vivemos simultaneamente várias, complexas e interligadas crises: a)
legislativa (processual e material)[2]; b) Sistema jurídico posto (direito)[3];
c) institucional (judiciária-administrativa)[4], d) operacional (formação doas
profissionais do direito)[5], e)jurisdicional.
Entre todas essas “crises”, a que nos interessa diretamente
neste estudo e se afigura como uma das mais graves (por refletir na manutenção
do equilíbrio do estado democrático de direito e na paz social) é a
jurisdicional, considerada a expressão em seu sentido mais amplo
(sócio-político), ou seja, como estatização da jurisdição e a unificação
ortodoxa das técnicas de resolução de conflitos.
É assente que a jurisdição pública há muito está em crise –
verdadeira patologia endêmica – em que pese não se tratar de problema apenas
nacional, à medida que a maioria dos países (mormente os integrantes do sistema
de civil law) apresentam também sérias dificuldades (notadamente estruturais)
na prestação da tutela jurisdicional, exigindo a sua ampla e cabal reforma.
Na verdade, “a situação que vivemos é patológica, e é puro
cinismo pretender vendê-la ao público como normal, saudável, quem sabe como
prova da vitalidade da democracia pluralista.”[6]
Inegável que o Estado-juiz tornou-se impotente para dirimir
todas as espécies de conflitos do mundo contemporâneo que, por sua vez,
consumam-se em velocidade de chip de computador, fazendo com que os
jurisdicionados de maneira mais célere e simplificada.
Enfraquecida a onipotência do Estado-juiz para a composição
de todas as lides jurídicas, verifica-se uma tendência universal à canalização
da jurisdição estatal para a resolução de múltiplas questões de ordem pública,
enquanto as de natureza diversa vão migrando para a iniciativa privada, sem
prejuízo do acesso à justiça estatal.
Reportando-se ao antigo texto da Exposição de Motivos da Lei
Espanhola de 1953, assinalou Adolfo Alvarado Velloso que “diante da necessidade
de ordenar igualmente esses conflitos de interesses, o Direito, antes de chegar
ao puro mecanismo coativo da intervenção inapelável do Poder Público, idealiza
uma série de meios de conciliação que tratam de restabelecer, na medida do
possível, a interrompida ordem da convivência social. Desse modo, não se
desconhece nem se menospreza o labor augusto do juiz, como órgão da soberania
do Estado, sorte que precisamente por essa excelsitude de seu caráter,
reserva-se para aqueles casos em que, desgraçadamente, um tratamento amistoso
não é possível nem sequer por esta via indireta, e se faz necessária a
intervenção do império estatal.”[7]
2. As formas alternativas de resolução de controvérsias
(ADRs)[8]
Em busca da solução ou minimização do problema universal
consiste na resolução dos conflitos surgem as chamadas ADRs (Alternative
Dispute Resolution), assim concebidas não apenas no sentido técnico, mas como
expedientes não judiciais e/ou não adversariais destinados à solução das lides
(sociológicas e jurídica)[9]
Ampliam-se, portanto, não só o espectro de “acesso aos
tribunais” (expressão por nós concebida como acesso à jurisdição), seja pela
legitimidade ativa, seja através da colocação à disposição dos interessados de
novos mecanismos de pacificação social, como também as formas de solução e
composição das lides (v.g. arbitragem, mediação judicial e extrajudicial[10],
conciliação, jurisdição especializada fundada no princípio da oralidade em grau
máximo[11], incremento judicial-processual das audiências preliminares e/ou de
tentativa de auto-composição[12])[13].
As técnicas de mediação e de conciliação enquadram-se
prestigiosamente nessas formas menos ortodoxas de soluções não adversariais dos
conflitos, espécies do gênero auto-composição (auto-composição amigável).
A mediação (judicial ou extrajudicial) propicia aos
contendores o encontro da solução amigável capaz de resolver definitivamente a
controvérsia, seja através da conciliação ou da transação.
Como uma das técnicas de composição dos conflitos, não se
identifica totalmente com a conciliação, nada obstante a similitude existente
entre ambas. Naquela, o mediador tenta aproximar os litigantes promovendo o
diálogo entre eles a fim de que as próprias partes encontrem a solução e ponham
termo ao litígio. Funda-se a técnica aos limites estritos da aproximação dos
contendores.
Diversamente, na conciliação, o terceiro imparcial chamado a
mediar o conflito – o conciliador – não só aproxima as partes como ainda
realiza atividades de controle das negociações, aparando as arestas porventura
existentes, formulando propostas, apontando as vantagens ou desvantagens, buscando
sempre facilitar e alcançar a auto-composição.
Em síntese, o conciliador e o mediador aproximam as partes,
ouvem as suas razões e pretensões, em prol da busca incessante da
auto-composição, mostrando aos litigantes as vantagens decorrentes do sucesso do
acordo.
O segredo e o sucesso dessas técnicas de composição amigável
dos inúmeros conflitos intersubjetivos estão na simples circunstância de que,
através da resolução pacífica encontrada pelos próprios litigantes, não
resultarão vencidos ou vencedores, em decorrência do entendimento mútuo
resultante da análise de propostas e eliminação de riscos e ônus maiores que
poderão advir com a prolação de uma decisão de mérito. Estamos convictos de que
somente o estímulo e efetiva prática das inúmeras formas complementares de solução de
controvérsias, sobretudo as consensuais, é que poderão mudar a concepção dos
brasileiros de que “só a Justiça” pode solucionar todos os seus conflitos.[14]
3. Justiça participativa e coexistencial
É justamente nesse novo contexto que aflora a justiça
coexistencial e participativa, ancorada em “juízos conciliatórios” manejados
por cidadãos leigos da comunidade local, que se utilizam da oralidade em grau
máximo (simplicidade, informalidade, concentração e economia) em busca da
resolução não-adversarial dos conflitos apresentados.
A verdade é que por mais que se reformem as leis de processo
(e já se vão quase vinte anos de permanentes e agonísticas mudanças
instrumentais), elas não serão capazes de, por si só, romperem o desajustes
secular de uma justiça anacrônica, saturada de demandas (sempre crescente) e
desestruturada, no que concerne ao número incompatível de magistrados e
serventuários.
Na década de 80 e 90, pensou-se que os Juizados de Pequenas Causas
e, mais tarde, os alvissareiros Juizados Especiais, seriam o baluarte de uma
“promissora e nova justiça”; ledo engano, pois o acesso à Justiça estatal se
fez crescente vertiginosamente – o que já era esperado, pois um dos principais
escopos dos juizados reside na minimização da litigiosidade contida.
Na prática, de
forma geral, os Juizados terminaram sendo dimensionados e implementados de
maneira ainda muita ortodoxo, baseados na resolução do conflito através de
sentença de verificação do mérito (procedência ou improcedência do pedido),
centrados na figura do clássico juiz togado, e, por conseguinte, sem muita
distinção da justiça tradicional. Não foi a toa que se ouviu dizer tratar de
uma “justiça menor” ou “inferior”...
Estamos de acordo com Carreira Alvim quando afirma que “o
maior entrave dos antigos juizados de Pequenas Causas e dos atuais e Juizados
Especiais Cíveis e Criminais foi não terem os Estados-membros, por meio dos
seus Tribunais de Justiça, prestigiado os principais pilares dos juizados, que
são os juízes leigos e os árbitros, preferindo estruturá-los centrados apenas
no juiz togado e na figura do conciliador.
“Esse foi o grande equívoco do passado, e que precisa ser
corrigido no presente, sob pena de inviabilizar a Justiça do futuro.”[15]
Em outros termos, o modelo alicerçado na oralidade e
auto-composição, terminou sendo um triste arremedo do sistema adversarial,
frustrando-se, assim o ideal maior. É absurdo, mas não raro, encontrarmos nos
Juizados Especiais Cíveis demandas tramitando há mais tempo do que na Justiça
comum, hipóteses em que, não frutificando a conciliação, a instrução e
julgamento é designada para muitos meses depois, por falta de pauta (leia-se,
falta de juiz togado).
Por isso, faz-se imprescindível redimensionar os Juizados
Especiais através da concepção de novos e eficazes mecanismos à resolução dos
conflitos e, em última análise, a própria tutela jurisdicional prestada em prol
da efetiva pacificação.
A reformulação da jurisprudência não é idéia nova. Capelleti,
na década de 70, já preconizava na chamada “terceira onda” da ciência
processual, a necessidade de modificação do processo como instrumento de
realização do direito material e da administração da Justiça, a ser realizada,
entre outras formas, através de pessoas leigas (justiça participativa) para
resolver conflitos por intermédio da auto-composição (justiça coexistencial),
sem perder de vista a jurisdição tradicional.[16]
Urge concretizar uma das facetas da tão decantada “terceira
fase do processo civil” através da efetiva implementação de mecanismos não
conflituosos (sistema não-adversarial) para a resolução de complexidade e
valor. Para tanto, exige-se apenas a presença de homens de boa vontade política
(para viabilizá-la) e fática (para efetivá-la em termos práticos).
4. Descentralização (municipalização) da Justiça
Para que se atinja esse desiderato, havemos de
descentralizar a Justiça, tornando-a, de fato e de direito, acessível a todos.
Inconcebível, num país como o nosso, de dimensões continentais, e, por
conseguinte, com estados federados com larga extensão territorial dotados de
inúmeros municípios, que a justiça seja oferecida apenas em “sede de comarca”,
sempre instalada naquelas cidades de maior contingente populacional e punjança
político-econômica. Os demais municípios, comumente distantes dezenas ou
centenas de quilômetros da “sede”, ficam desprovidos de justiça efetiva. Aliás,
há muito o caminho já foi aberto através da regra insculpida no art. 94 da Lei
9.099/95, restando apenas a sua efetiva implementação.[17]
“O que se propõe é que o bom senso aflore e que os
responsáveis pelo destino da Justiça neste País, se dêem conta de que os
Estados Federados nunca terão condições de ministrar justiça contando apenas
com juízes togados, sediados nas comarcas, a não ser criando Juizados Informais
municipais em cada
Município brasileiro, em número correspondente à sua
potencialidade litigiosa, e estruturados com base nos juízes leigos, árbitros e
conciliadores.”[18] Alguns projetos legislativos já começaram a dar o tom para definir
as tintas desse novo quadro multicor, inclusive em sede constitucional. A
proposta de Emenda Constitucional n. 233/04 de autoria do Deputado Federal
Carlos Mota (PL-MG) e outros, formula nova redação ao caput do art. 125 da
Constituição Federal, obrigando o Poder Judiciário a estabelecer, pelo menos,
uma vara em cada município, sob pena de incidência em crime de
responsabilidade.[19]
Com razão, justifica o Deputado proponente, a Emenda
Constitucional com o seguinte asserto: “Diversas comarcas judiciais, no
interior do Brasil, são obrigadas a abranger inúmeros municípios, o que causa
transtornos aos juízes e à população, aqueles pela impossibilidade de oferecer
uma adequada prestação jurisdicional e esta por se ver abandonada pelo Poder
Judiciário. Não são raros os casos em que a pessoa vítima de agressão em
direito de que é titular tenha de se locomover centenas de quilômetros para
apresentar a respectiva petição.
“A emenda aqui justificada pretende equacionar o problema
obrigando o Poder Judiciário a estabelecer pelo menos uma vara de justiça no
âmbito dos Municípios, o que impedirá que a respectiva população seja obrigada
a se deslocar para ter acesso à tutela judicial. De uma forma inovadora,
prevê-se sanção pelo descumprimento do novo comando constitucional,
evitando-se, com o artifício, que a norma adquirida caráter meramente
programático. São essas as razões pelas quais se espera pleno apoio à
apresentação da presente proposta e sua aprovação quando for apreciada pelo
douto Plenário.”
Na mesma linha, o Projeto de Lei do Senado, n. 59/03, de 13
de Março de 2003, que altera o disposto no art. 95 da Lei n° 9.099/95, e dá
outras providências, para fins de criação dos Juizados Especiais municipais e
itinerantes[20] Trata-se, contudo, de sugestão legislativa de importância
duvidosa, ou melhor, desnecessária em face da matéria já estar regulada, em
outros termos, no art. 94 da Lei 9.099/95.
Nessa nova etapa processual-jurisdicional, o que se pretende
é atingir a pacificação dos conflitos com a observância ao quadrinômio
representado pelos valores segurança, tempo hábil, justiça e acessibilidade. A
segurança relaciona-se com o devido processo legal; o tempo hábil com a
incidência da celeridade; a justiça da decisão com a atenção do julgado ao
princípio da congruência (pedido e pronunciado) e o direito aplicável à
espécie; acessibilidade que representa nada menos do que a proximidade entre o
jurisdicionado e a jurisdição, tendo-se em conta que a justiça há de estar onde
o povo está, à medida que a enigmática figura distante do Estado-juiz muito
pouco serve. Em outros termos, a criação de um sistema judiciário
municipalizado compreende a permanente presença jurisdicional em cada município
não considerado “sede comarca”. Esse novo sistema deve ser administrado, in
loco, por um juiz leigo, conciliador ou mediador (essas questões hão de ser
definidas através das normas locais), sob a supervisão do juiz togado com
competência em matéria de juizados especiais, sediado na comarca mais próxima.
Por conseguinte, o conflito será
solucionado-preferencialmente de maneira não-adversarial – no seio da própria
comunidade onde ele teve as suas origens, facilitando a compreensão do problema
posto ao conhecimento do terceiro imparcial, assim como reduzirá em grande
escala a formação de lides jurídicas (jurisdicionalização do conflito
sociológico).
Ademais, a prestação de tutela nesses juizados municipais
fundar-se-á na busca da auto-composição, isto é, a solução do Conflito
apresentado sem a jurisdicionalização da demanda formulada.
Não chegando a bom termo a tentativa de auto-composição,
nada obsta que esses juizados assumam a jurisdição efetiva, com a prestação de
tutela através de juiz leigo, apto legalmente à instrução do processo e
prolação de sentença de mérito (procedência ou improcedência do pedido),
conforme disposições insculpidas nos artigos 7° e 40, ambos da Lei 9.099/95,
ou, ainda, quiçá investido nas funções de árbitro, nos moldes da Lei 9.307/96.
Para viabilizar-se a implementação da justiça
municipalizada, há de se distinguir: 1°) a que açambarca as demandas cíveis e
criminais de menor valor e complexidade, e, menor potencial ofensivo,
respectivamente, nos limites territoriais do próprio município; 2°) a que
engloba as demais ações cíveis e criminais.
Numa primeira, faz-se mister que as atenções estejam
voltadas integralmente para a municipalização da Justiça em sede de Juizados
Especiais (formais e informais) Cíveis e Criminais.
Frise-se que não se trata, por óbvio, nessa primeira etapa a
que nos referimos, de instituir um “Poder Judiciário municipal”, mas de
viabilizar mecanismos e infra-estrutura básicas para o funcionamento dessas
novas unidades jurisdicionais, a cargo dos próprios municípios, com a
supervisão da Justiça estadual.
Esses “Juizados municipais” terão como única e específica atribuição: a tentativa de
auto-composição (cível e/ou criminal), e serão sempre prestigiados por
jurisdicionados leigos (não togados), nos moldes já delineados precedentemente.
Para a consecução desse desiderato, os Estados deverão
firmar convênios com todos os Municípios que desejarem integrar o projeto que
denominamos de justiça participativa e coexistencial.
Entre tantos outros aspectos, esses convênios abordarão a
logística para implantação do projeto e funcionamento cabal dessas unidades,
isto é, as metas a serem atingidas, o cronograma, a definição de local,
estrutura física, equipamentos e pessoal, a forma de seleção do pessoal,
eventual remuneração, preparo (formação) dos mediadores, conciliadores e/ou
árbitros, horário de funcionamento, segurança pública etc.
Essas unidades municipais podem ser normatizadas através de
lei estadual ou por intermédio de ato administrativo interno do Poder
Judiciário de ato administrativo interno do Poder Judiciário, por se tratar de
simples extensão das atribuições conferidas aos Juizados Especiais (detentores
da competência originária), e, disposição contida no art. 94 da Lei 9.099/95.
Após a instalação dos Juizados Municipais (Formais ou
Informais), as demandas de sua competência deverão ser ajuizadas,
necessariamente no foro local, para fins de tentativa de conciliação prévia,
vedando, portanto, o ajuizamento direto nos Juizados Especiais situado na sede
da comarca, salvo se a hipótese em concreto versar sobre tutela de urgência
(antecipatória ou cautelar). Nesse último caso, tão logo o juiz togado decida a
questão emergencial, retornarão os autos ao município de origem para a designação
de sessão de conciliação.
5. Jurisdição difusa: câmaras de auto-composição
Por sua vez, as sedes
de comarcas de maior contingente populacional, via de regra onde já estão
instaladas as varas dos Juizados Especiais (cíveis e criminais), estão a exigir
também atenção diferenciada do Poder Judiciário, no sentido de facilitar o
acesso à justiça para as pessoas residentes em bairros, distritos ou
subdistritos mais afastados e/ou detentores de elevado contingente
populacional, ou, ainda, de difícil acesso.
Nesses casos, criar-se-iam câmaras de auto-composição,
compostas também por conciliadores leigos membros da comunidade local que gozem
de reputação ilibada, indicados pelos conselhos comunitários e nomeados pelo
juiz togado local, nada obstando que sejam estudantes de Direito[21].
Assim como nos juizados municipalizados, as câmaras de
auto-composição devem ser dotadas de atribuições voltadas à tentativa de
conciliação, assim concebida em suas diversas formas, tais como transação,
renúncia ao direito sobre o qual se funda a pretensão, reconhecimento parcial
ou total do pedido e, a desistência da ação, com a subseqüente lavratura de
termo e homologação do acordo.
Não prosperando o acordo, o conciliador ou mediador reduzirá
a termo a defesa oral ou, se escrita, consignará o recebimento da peça,
remetendo-a com toda a respectiva documentação que acompanha a inicial e
resposta à secretaria dos juizados especiais (onde está sediada a vara
especializada) para fins de designação de audiência de instrução e julgamento,
ou, dependendo da hipótese, para a tomada de providências processuais
preliminares ou prolação de sentença conforme o estado do processo.
Também, o ajuizamento da demanda far-se-á, necessariamente,
no próprio bairro, distrito ou subdistrito em que reside o postulante. Havendo
alguma providência de urgência a ser tomada initio litis, a inicial será
encaminhada ao juiz togado, para os devidos fins e, após apreciado o pedido
emergencial, determinará o retorno dos autos à origem, para a realização da sessão
de conciliação, à exemplo do que se verifica, igualmente, nos juizados
municipais.
6. Acordos não jurisdicionalizados com a força de título
(judicial ou extrajudicial)
O art. 57 da Lei 9.099/95 está a merecer maior atenção e
realce diante da possibilidade conferida aos jurisdicionados de resolverem seus
conflitos através de acordos não jurisdicionalizados (auto-composição
extrajudicial).
Nesses casos, resolve-se a lide sociológica de maneira
puramente não-adversarial, isto é, sem a instauração de processo e, por
conseguinte, sem demanda e formação de lide jurídica, através da chancela
conferida pelo microssistema aos acordos extrajudiciais que são apresentados ao
Estado-juiz ou ao Ministério Público, validando-os e equiparando-os a títulos
judicial ou extrajudicial, respectivamente.
Nada obstante tratar-se de regra que facilita a
auto-composição, tem sido pouco utilizada na prática forense, desconhecendo-se,
na verdade, a razão desse fato. Uma coisa é certa: há de se instituir nos
estados, e, difusamente, em bairros, municípios, distritos e subdistritos uma
política judicial direcionada à resolução não-adversarial dos conflitos.
Observadas as limitações instituídas no art. 8° da Lei
9.099/95, o legislador abriu um enorme leque em sede de competência dos
juizados especiais cíveis para fins de conciliação, como verdadeira exceção às
regras insculpidas no art. 3°, inc. I (valor) e § 2° (matéria). Significa dizer
que os limites referidos têm pertinência tão-somente no que concerne as lides
institucionalizadas, ou seja, para fins de resolução de conflitos em sede
adversarial (lide e processo).
Segundo o texto legal do art. 57, as matérias de quaisquer
natureza e valor (inexistência de limite qualitativo ou quantitativo) podem ser
objeto de acordo e homologadas perante o juiz togado dos juizados especiais,
ampliando-se, em muito, o espectro da auto-composição.
Para a melhor consecução da norma insculpida no parágrafo
único do art. 57, é de bom alvitre que o Poder judiciário estabeleça com o
Ministério público diretrizes comuns para a sua efetivação.
* Excerto da obra Juizados Especiais Estaduais Cíveis e
Criminais. Comentários à Lei 9.099/95 (em co-autoria de Fernando da Costa
Tourinho Neto) Editora Revista dos Tribunais, 2004, no prelo.
[1] L’arbitrato secondo la legge 28/1983. Arbitrado e
giurisdizione, p. 168.
[2] Vê-se, especialmente nas últimas décadas, a constante
preocupação do legislador em adequar aos novos tempos e necessidades dos
jurisdicionados as normas instrumentais e materiais (v.g. ação civil pública,
Código de Defesa do Consumidor, ampliação das ações e remédios constitucionais,
reformas do Código de Processo Civil, o novo Código Civil etc.).
[3] Comungamos da opinião de Francisco Rezek quando assinala
que a crise do direito brasileiro “... é uma espécie de vírus que contamina as
nossas regras de vida em sociedade, está presente no seu processo de produção,
projeta-se mais tarde sobre sua vigência, envolve e compromete de modo direto e
constante todos os seus operadores, não só os juizes. Quando o Direito ganha em
volume o que perde em qualidade, mais parece nos asfixiar do que trazer alguma
ordem à nossa vida. Um produto que alardeia prevenir e resolver problemas acaba
por criá-los.
“... Há no direito brasileiro dois vícios graves pedindo, já
faz tempo, remédio urgente. Nossas regras de processo, antes de tudo, parecem
não querer que o processo termine. Os recursos possíveis são muitos (creio não
haver fora do Brasil trama recursal tão grande e complicada), e pouca gente
hoje crê que isso ajude mesmo a apurar melhor a verdade para melhor fazer
justiça.
“... Do outro lado, as regras de direito material que o
legislador edita com fartura têm sido a matriz de processos em larga escala,
sobretudo quando é o governo que legisla, sem o pressuposto do debate
parlamentar. (...) Se o Direito vive a resvalar para a obscuridade, a
ambiguidade, a incoerência, ele pede mesmo (e pede a toda hora) o
esclarecimento da Justiça.
“Depuradas com coragem as regras de processo, moderada a
fecundidade com o que se produz o direito material e melhorada a sua qualidade
(ainda que pela só opção dos caminhos simples), nada mais seria preciso para
superar a crise do nosso Direito, de que a da Justiça é mero subproduto. Isso
não pede mais que algum trabalho, método e consciência do legislador. Não
cresce, nessa reforma, a despesas pública.” (O direito que atormenta. Folha de
São Paulo, 15/11/1998).
[4] A crise institucional envolve, difusamente, a estrutura,
a organização e o poder Judiciário, tais como: jurisdição e competência,
divisão e organização judiciária, regime jurídico da magistratura, disciplina,
organização e classificação de cargos dos serventuários, capacitação de juízes
e serventuários etc.
[5] Trata-se da crise dos operadores do Direito, decorrente
dá má formação acadêmica dos profissionais do foro, a começar pelo ensino
básico, culminando com os péssimos e proliferados cursos jurídicos espalhados
indiscriminadamente pelos quatro cantos do País.
[6] Francisco Rezek, idem, ibidem
[7] RePro, 45/95-96. El Arbitraje: solucíon eficiente de
conflictos de interesses
[8] Sobre o tema das ADRs e as tendências universais para o
processo do terceiro milênio, v. Joel Dias Figueira Júnior, Arbitragem,
jurisdição e execução, itens n. 8 e 9, pp. 113/121, ed.1999
[9] Observa Mauro Capelletti que, esse não é o único sentido
emergente da chamada “terceira onda” (por ele e Bryant Garth assim denominada)
do movimento de acesso à justiça, objetivando também se ocupar desses meios não
ortodoxos em sede extrajudicial e judicial, donde exsurge como alternativa aos
tipos ordinários ou tradicionais de procedimento (cf. RePro, 74/82, “Os métodos
alternativos de solução de conflitos no quadro do movimento universal de acesso
à justiça”).
[10] Projeto de Lei 4287/00(apresentado pela Deputada
Federal Zulaiê Cobra Ribeiro PSDB/SP) que institui a mediação judicial e
extrajudicial.
V. tAmbém Anteprojeto de Lei (elaborado pelo instituto
Brasileiro de Direito Processual IBDP), que versa sobre a mediação prévia
opcional e a mediação incidental obrigatória em quase todos os processos de
natureza cível. No final de 2003 foi encaminhado ao Ministério da Justiça.
Esse Anteprojeto apresenta uma versão final que é fruto de
consenso com a Deputada Zulaiê, em face de seu aludido Projeto.
[11] Juizados Especiais Cíveis e Criminais (estaduais ou
federais).
[12] V.g.
arts. 125, IV, 277 c/c art. 278, art. 331, todos do CPC.
[13] Existem outras formas não ortodoxas de resolução de
controvérsias, pouco ou não utilizadas ainda no Brasil, tais como mini-trial,
mock-jury, summary jury trial, baseball arbitration, early neutral evalution,
lemon law procedure (cf. Peter Schlosser, RePro, 44/4005-1006,”alternative
dispute resolution uno stimolo alla riforma perl’Europa?).
[14] Cf. Roberto Portugal Bacilar, Juizados Especiais – a
nova mediação paraprocessual, item n.1.2,p.86.
[15] Anatomia de uma Justiça – Justiça Municipalizada, p. 8,
item n. VII, Separata.
E arremata com a seguinte observação no que concerne às
audiências: “Em muitos casos, as audiências nos Juizados já vem sendo marcadas
com tanta antecedência, que está a exigir a criação de juizados
especialíssimos, para aliviar a insuportável carga de processos dos juizados
Especiais.” (idem, ibidem).
[16] Cf.
Access to Justice, vol. I. A world survey; vol. II, Promising Institutions;
vol. III, Emerging issues and perspective; Access to Justice and the welfare
state. Publicação do Instituto Universitario Europeo. V. Também, do
mesmo Autor, Problemas da Reforma do Processo Civil nas sociedades
contemporâneas.
[17] “Art. 94. Os serviços de cartório poderão ser
prestados, e as audiências realizadas fora da sede da Comarca, em bairros ou
cidades a ela pertencentes, ocupando instalações de prédios públicos, de acordo
com audiências previamente anunciadas.”
Apontamos a elogiável experiência do Estado da Paraíba, que
através da Resolução n. 15/2002 baixada pelo Presidente do Tribunal de Justiça,
Des. Marcos Antônio Souto Maior, instituiu os Juizados Especiais Cíveis
Municipais.
[18] J. E. Carreira Alvim. Idem, pp. 18/19, item n.XII,
Separata.
Sobre o tema em voga, v. também o entendimento de J.S.
Fagundes Cunha, em artigo intitulado “Câmaras municipais de conciliação e
arbitragem” (Informativo INCIJUR, n. 51, ano IV, outubro /03, pp. 8/10).
[19] Assim está redigida a Proposta, in verbis: “Art. 1° O
caput do art. 125 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte
redação:
“Art. 125. Os Estados organizarão sua justiça, observados os
princípios estabelecidos desta constituição e sendo obrigatória a existência de
pelo menos uma vara de justiça por Município.
“Art. 2° Na Hipótese de não ter sido dado pleno cumprimento
à nova redação atribuída ao art. 125 da
Constituição Federal depois da transcorrido três anos da data de promulgação
desta Emenda Constitucional, em razão de não ter ocorrido o encaminhamento ao
Poder Legislativo estadual de projeto de lei com esse intuito, serão
processadas por crime de responsabilidade as autoridades que deram causa à omissão.
Art. 3° Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de
sua promulgação.”
[20] O teor do Projeto de Lei é o seguinte, in verbis: Art.
1°. O art. 95 da Lei 9.099, de 1995, que dispõe sobre os Juizados Especiais
Cíveis e Criminais, fica acrescido dos seguintes parágrafos:
“Art. 95. Os Estados, Distrito Federal e Territórios criarão
e instalarão os Juizados Especiais no prazo de seis meses, a contar da vigência
desta lei, observando o seguinte:
§ 1° Os programas de instalação de novos Juizados Especiais
atenderão prioritariamente aos municípios de maior demanda, considerada a
concentração populacional;
§ 2º Nos locais de menor concentração populacional e nas
áreas rurais, os Juizados Especiais poderão atuar de modo itinerante,
vinculados à sede do Juizado Especial mais próximo pertencente ao mesmo Estado
ou, mediante convênio, à mesma região, enquanto não forem instalados os
definitivos e nos termos designados em lei local ou provimento judicial
pertinente. (NR)”
[21] Para facilitar, nada obsta que essa nomeação (sempre em
caráter temporário) seja feita por simples ato administrativo interno do juiz
togado titular dos Juizados Especiais, mediante portaria, após verificação e
aprovação dos nomes indicados pelo conselho comunitário local. Para tanto, deve
o juiz se valer de meios diversos antes de referendar os nomes indicados, tais
como verificação de antecedentes criminais, inscrição em serviços de proteção
ao crédito, publicação prévia de edital contendo o nome e qualificação das
pessoas com prazo para eventual impugnação (fundamentada) por terceiros, ouvida
da OAB local e Ministério Público, etc.