I – Prefácio
1. Desde o surgimento da exceptio dominii
Em face de ser exceptio proprietatis verdadeira
intromissão à posse, pervertendo a pureza dos interditos, tende a ser retirada
de nosso Diploma Substantivo Civil, conforme se infere do art. 1.249, § 2°. Do
Projeto de Código Civil (Projeto de Lei n°. 634/75).
Como bem acentua o mestre Pontes
de Miranda (in Tratado de Direito
Privada, vol. 10, pág. 316,1955), “... A oposição da exceptio dominii no juízo dos interditos repugnaria aos juristas
romanos”. (...) “tem-se argüido que a exceção de domínio tiraria o caráter
possessório da ação. Todas essas considerações são de lege ferenda. Em direito lato, temos exceptio dominii, se evidente a prova contrária à pretensão do
possuidor que se diz proprietário (art. 505, 2°. parte, verbo ‘evidentemente’). Grave foi que o autor do Projeto, ao seu
tempo, tivesse acreditando em que a admissão da exceptio dominii é conseqüência necessária da teoria de R. Von
Jhering: não no é. Lamenta-se que a exceção de domínio haja entrado em forma de
negação: não se disse que há de julgar com entrega da posse a favor de quem tem
o domínio, o que inseriria no processo possessório a restituição, pela
procedência da exceção; mas que ‘não se deve julgar a posse em favor daquele a
quem evidentemente não pertencer o domínio’. Portanto: deve ser julgada a posse
a favor do que é possuidor e prova a propriedade; deve ser julgada a posse a
favor de quem pode ser o dono; não
deve ser julgada a posse a favor daquele que evidentemente não é dono. Claro
que se está a falar de posse de dono.”
Portanto, deve-se ressaltar que o
princípio que norteia a matéria é o da inoponibilidade de defesa fundada na
propriedade. A posse é fato; o
domínio é direito. Assim, “não obsta à manutenção, ou reintegração na posse, a
alegação de domínio” (art. 505, 1°. Parte, CC).
Convém aqui esclarecer questão
ainda um tanto quanto obscura, na doutrina e na jurisprudência, qual seja, a
natureza jurídica da posse. Observa-se que os doutrinadores e as Cortes de
Justiça de nosso País já se posicionaram no sentido de não ser a posse um
instituto de direito pessoal, mas sim real. Porém não reside aqui o cerne do
enleio, e sim na distinção entre a posse (no âmbito do direito substantivo) e
as ações possessórias (Direito Adjetivo).
A posse por si só não é um direito, mas tão-somente
um fato, inexistindo a princípio no mundo jurídico, razão por que não pode ser
rotulada de “direito real”, sendo, sim, “situação meramente fáctica” (acolhida
pelo legislador quando da adoção da teoria de Von Jhering,
Por outro lado, quando se analisa
a posse sob a ótica do Direito Adjetivo, ela se equipara por ficção jurídica
aos direitos reais, passando a ser considerada para efeitos processuais como
uma ação real, conforme se depreende dos artigos 10 e 95, ambos do Código
Buzaid.
Ademais, o direito real
caracteriza-se por ser oponível erga
omnes e por conferir ao seu titular o direito de seqüela, não estando a
posse inserida nesta categoria.
Por estes motivos, não é a posse
um direito real, como proclamada, mas situação de fato, sendo considerada,
unicamente para efeitos processuais, ação de natureza real.
2. Inobstante a polêmica ainda
reinante, não se pode dizer que a Lei n° 6.820, de 16 de setembro de 1980,
tenha revogado o art. 505 do Código Civil (como pretende o Egrégio Tribunal da
Alçada do Estado de Minas Gerais, in
Ap. Cív. n°. 20.153/A, da comarca de Juiz de Fora , de 23/03/82), pelos motivos
já expostos
A doutrina, em harmonia com a
jurisprudência, vem admitindo remansosamente a ocorrência da exceção da
propriedade apenas em duas hipóteses: a) quando os litigantes pretendem a posse
em razão do domínio; b) em sendo a posse de ambos duvidosa. Decidirá então o
juiz em favor daquele a quem pertencer o domínio.
II – Fundamentos da Sentença
Como muito bem anota Pontes de
Miranda (op. Cit., pág.346) “...Em termos rigorosamente científicos, a alegação
de domínio não é exceção, mas simples alegação para peso, a mais em caso de prova dúbia. O art. 505, 2° parte, apenas é regra jurídica sobre prova. Na dúvida
pesa mais a prova do domínio como prova de posse, se se prova que evidentemente
pertence à outra parte o domínio. Por isso mesmo, deve o juiz abster-se de
aplicar o art. 505, 2°. Parte, se não há pressupostos necessários”.
A sentença, verdadeiro silogismo
que é, premissas (fundamentação) para atingir a conclusão 9o
dispositivo), motivo pelo qual, para que se julgue a posse favoravelmente a uma
das partes, alegada a exceptio dominii, é
indispensável que o magistrado adentre a análise dos títulos trazidos aos autos
para a prova do articulado para que então se confira a posse definitivamente a
quem evidentemente seja o proprietário. Deixa-se de lado o mundo fáctico e
incursiona-se pelo mundo jurídico da propriedade, com notória limitação dos
meios probantes, pois somente servirá como válido o título hábil a transferir a
propriedade – o domínio evidente.
Para que se chegue a uma conclusão
de cunho possessório, mister se faz analisar os fatos e os fundamentos
jurídicos do pedido, versando o estudo da matéria sobre a validade dos títulos
de propriedade em que se fundamenta a posse, estabelecendo-se as premissas
necessárias à parte dispositiva.
Os articulados na fundamentação (in casu a análise da nulidade dos
títulos para conclusão do domínio evidente) não fazem res judicata, “... ainda que importantes para determinar o alcance
da parte dispositiva da sentença”, bem como a “... apreciação da questão
prejudicial, decidida incidentalmente no processo" (art. 469, incs. I e
II), exceto a hipótese do art. 470 do Código Buzaid.
Nestas ações de natureza puramente possessória,
inobstante a alegação de domínio, o possessório
não se converte em petitório, pois
tudo gira em torno da prova de verificação de evidência do domínio, mas sem
pretensão de declaração de anulação de qualquer deles, para não extrapolar o
instituto da posse e de suas ações. Como anota Tito Fulgêncio (in Da posse e das Ações Possessórias,
vol. 2, pág.19, 1980), fazendo alusão ao acórdão do saudoso Orozimbo Nonato:
“...o exame do domínio não é vedado nessa hipótese nem o é quando se torna
indispensável à verificação do caráter da posse”.
Não há dúvida
de que o juiz deva perquirir a índole da posse com fulcro no domínio, motivo
pelo qual lhe é permitido examinar os títulos apresentados, não para declarar a
nulidade de alguns deles, mas sim para julgar a posse em favor de quem é o
verdadeiro proprietário. Outra não é a lição de J. M. Carvalho Santos (in cód. Civ. Bras. Interpretado, pág.
159, vol. VII, 1979): “Como tal escopo, lhe será lícito examinar os títulos
produzidos, não para decidir sobre o
direito, mas para colorare, como dizem os práticos, a posse: vale dizer, para
conhecer da mesma e deduzir se ela se ajusta ao espírito da lei, se é ou não
manutenível ou reintegrável” (grifei). Ora, se a inclusão da excepti dominii, no Código Civil já é
verdadeira excrescência e palco de discórdia entre os doutos juristas, não se
pode ir além do que já não é regra, pois, segundo a hermenêutica, as exceções
sempre devem ser interpretadas restritivamente, para admitir-se a declaração de
validade ou invalidade de títulos dominiais, acostados nas ações interditais, sob
pena de atingir-se um desvirtuamento ainda maior do sistema de defesas à posse
– donde Orlando Gomes (in Direitos
Reais, pág. 79,1983) faz a seguinte indagação: “... como admitir-se, pois, que
numa ação possessória, de rito especial e finalidade limitada, se possa
reconhecer com segurança que o possuidor não tem domínio porque este pertence
evidentemente a outro?”.
Como a posse nada tem com o ius possidendi (direito de possuir),
examinará o juiz os títulos apresentados para concluir sobre a natureza, extensão
e eficácia da posse dos litigantes (v. anotação do Projeto argentino, art.
1.433, citado por Clóvis Bevilácqua, in
Direito das Coisas, vol. I, pág. 74, 5ª ed.).
Comungando do ponto de vista aqui
esposado, preleciona o prof. W. de Barros monteiro (in Curso de Direito Civil, Direito das Coisas, pág. 60, 1979) que
“... a indagação dos títulos terá cabimento se os litigantes disputam a posse
na qualidade de proprietários, ou então, na hipótese em que seja ela
conflitante. Em tal caso a apreciação dos títulos se faz non tam ad annullandum petitorium quam ad colorandum et corroborandum
possessorium, isto é, com o fito de melhor caracterizar a posse. Como diz
Boucart, pode o juiz consultá-los;porém não deve fazê-lo senão na medida do
possessório, uma vez estabelecido o fato da posse os títulos tornam-se
insignificantes, seja qual for sua relevância ou importância no juízo
petitório”.
Como já decidiu sabiamente o
Tribunal de Justiça de São Paulo, “A matéria de domínio, na possessória, pode
ser apreciada unicamente para que não se julgue a posse em favor de quem
evidentemente não seja proprietário”. E mais: ”Inegavelmente, o juiz do
possessório pode conhecer dos títulos relativos ao direito exercitado, quando
se tornar necessária a qualificação ou interpretação da posse” (citações de Guido
Arzua, in Posse – O Direito O Processo, págs. 95 e 96, 1978).
III – ABRANGÊNCIA E EFEITOS DA
SENTENÇA
O acolhimento da exceção de
domínio confere a manutenção ou a reintegração de posse (inaplicável, pois, no
interdito proibitório, porque nele não se julga a posse – RT – 480 – 183), não
indo além do que formulado na exordial, pois, como já vimos, o juiz examina os
títulos “... não para resolver a quem este pertence, numa ação possessória, mas
exclusivamente para descobrir elementos que corroboram a posse, se conjugada a
um dos títulos do domínio” (Pontes, op. Cit., pág. 322).
No feito em que se alega a exceptio proprietatis, restringi-se a
eficácia da coisa julgada material tão-somente para dizer quem é legítimo
possuidor com base em título de domínio (evidente). Como ensina o festejado
Pontes (op. cit., pág.339), “nenhuma
eficácia tem de decisão desfavorável à nulidade ou anulabilidade do título,
porque o processo é impróprio para essa discussão, e talvez não se haja argüido
invalidade; nem decisão desfavorável à ineficácia. A decisão, na exceção de
domínio, apenas declara que há relação de propriedade, e o proprietário,
acusado de espoliador, tomou posse do que é seu, enquanto não se prova que o
título é nulo ou ineficaz, ou enquanto não se lhe decreta a anulação”. “... A
eficácia da decisão sobre o direito do réu não é a de sentença de cognição
completa. Cingi-se à defesa na ação possessória; não tem, pois, força de coisa
julgada material, nem carga de eficácia suficiente para coisa julgada
material”.
Por conseguinte, não pode o
magistrado, após fundamentar sua decisão no sentido de que um dos títulos não é
válido, além de julgar procedente ou improcedente o pedido possessório, declarar a nulidade de um deles, sob
pena de prolação de decisum ultra petita.
IV – COGNIÇÃO PARA NULIDADE DE TÍTULOS – CUMULAÇÃO
DE PEDIDOS E DECLARAÇÃO INCIDENTAL
Através de ação autônoma de declaração, mais
precisamente ação anulatória de ato jurídico (art. 4°. Do CPC), pode
discutir-se a validade ou não dos títulos de propriedade.
Mas, no âmbito das possessórias (com procedimento
não especial), é admissível a anulação de algum dos títulos, desde que o autor
cumule ao pedido de reintegração ou manutenção de posse a anulação de aro
jurídico, ou ainda, através de declaratória incidental. Analisemos então as
duas hipóteses: a) A cumulação de pedidos
não se restringe aos casos do art. 921 do CPC. Porém, se o autor pretender
imprimir ao feito procedimento especial, deverá ficar adstrito, no seu pedido
(cumulação), às hipóteses do art. 921. Não obstante, outros pedidos poderão ser
cumulados ao processo possessório, além daqueles contidos no aludido artigo,
desde que preenchidos os requisitos do art. 292 e seus parágrafos primeiro e
segundo, do Cód. De Proc. Civil, quando então aplicar-se-á o rito ordinário
(neste sentido: Adroaldo Furtado Fabrício, in
Comentários ao CPC, vol. VIII, Tomo III, págs. 486 e 492). A respeito já
decidiu o Tribunal de Justiça do Rio de janeiro: ”... se os pedidos forem
compatíveis entre si, competente para deles conhecer o mesmo juízo, e adequado
para todo o tipo de procedimento, lícita é a cumulação, devendo o juiz a quo processá-los e julgá-los como
entender de direito” (Jurisprudência Brasileira, vol. 60/146).
Por estas razões, inexiste qualquer óbice à
cumulação de pedido possessório ao de anulação de título, quando então o juiz,
além de conhecer do possessório, poderá,
através de cognição mais profunda e detalhada, averiguar e declarar a nulidade
dos documentos.
b) A
declaratória incidental também é possível nos termos do art. 5°. c/c o
325do CPC, acentuando este último que: “Contestando o réu o direito que
constitui fundamento do pedido, o autor poderá requerer, no prazo de dez (10)
dias, que sobre ele o juiz profira sentença incidente, se da declaração da
existência ou da inexistência do direito depender, no todo ou em parte, o
julgamento da lide (art. 5°).”
Baseando-se a contestação no art.
505, 2° parte, do CC, e sendo caso de admissibilidade de aplicação cabal da exceptio dominii, poderá o autor
requerer que declare o juiz qual o título acoimado de nulidade, procedendo-se
então a um estudo referente á matéria articulada.
Assim serão, na verdade, duas
ações embutidas numa só, decidindo o magistrado ambas as questões no mesmo ato,
qual seja, a sentença, sendo a declaratória prejudicial do feito principal,
razão por que deve ser analisada ab
initio.
Outro não é o ensinamento do
insigne Desembargador e Professor Athos Gusmão Carneiro (in AJURIS, vol. 27, págs.54/55, artigo intitulado “Notas sobre a
Ação Declaratória Incidental”): “Após transcorrido o prazo par a ‘responder’ ao
pedido declaratório incidental, prossegue normalmente a demanda em procedimento
ordinário, com saneamento, audiência e instruções comuns (sinultaneus processus), e a
mesma sentença julgará o pedido principal e o de declaração incidente.
Assim temos duas ações, duas relações jurídico-processuais, e um só processo.”
No magistério de Agrícola Barbi:
‘Tudo isso leva a concluir que o julgamento da ação principal e da declaração
incidente deve ser feito sempre simultaneamente pelo Juiz da instância
inferior’ (‘Coments. Ao CPC’, Forense, vol. I, 2° ed., n°.79). Isto, de regra.
Sérios problemas processuais surgem, entretanto, quando a sentença de mérito
‘tiver por pressuposto o julgamento de questão de estado, requerida como
declaração incidente’, pois pelo Código será o processo, nesse caso suspenso por prazo não excedente a um
ano (art. 265, IV, c; art. 265, §5°). Findo o prazo, ‘o juiz mandará prosseguir
no processo’, ou seja, na hipótese de declaração incidental relativa à questão
de estado, o juiz determinará seja retomada a apreciação da lide ’principal’
(note-se que, excepcionalmente, a ação declaratória incidental tramitará então
em autos apartados, pois neste caso, e apenas
neste, haverá não só uma ação
incidental como também um processo
incidental)”
Não diverge a orientação
pretoriana do tribunal de Justiça de Santa Catarina: “ação possessória –
Declaratória incidental – recurso cabível – Apelação. ‘Cabe recurso de apelação
da decisão proferida em ação declaratória incidental, visto tratar-se de
sentença que julga o mérito da causa. Recurso extraordinário conhecido e
provido’. In RE 89.089 – Ceará, D.J.,
12/12/80, pág. 10.581. é ela ajuizada nos autos da própria ação principal e
deverá ser julgada na mesma sentença, como questão prejudicial àquela. Recurso
provido” (DJE – n° 6.135 de 28/09/82, pág. 8, Rel. Des. Reynaldo Rodrigues
Alves).
Como ensina Moacyr Amaral Santos (in Com. ao CPC, vol. IV, pág. 478), “...
num sentido restrito, mais técnico, questões prejudiciais são pontos de direito
material controvertidos, que, além de serem antecedentes lógicos da sentença,
poderiam constituir objeto de uma ação autônoma”.
Neste caso, deve-se ainda
interpretar harmonicamente os arts. 469, III e 470, ambos do CPC, pois, via de
regra, a apreciação de questão prejudicial decidida incidentalmente no processo
não faz coisa julgada, desde que a parte não o requeira expressamente.
Porém, em nenhuma hipótese é de se
permitir, que o juiz preste a tutela jurisdicional sem a aprovação do
interessado, ou seja, no caso, declarar a nulidade ex officio, em virtude do disposto no art. 2° de nossa Lei
Adjetiva, retirada do velho brocardo: - nex
procedat judex ex offício -. Se assim proceder, estará proferindo decisum ultra petita, passível portanto
de nulidade.
V – ANÁLISE DE ARESTO PROFERIDO PELO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Torna-se aconselhável uma análise
do v. aresto proferido pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, no
Recurso Extraordinário n° 65.164, do Paraná, em que foi Relator o Sr. Ministro
Amaral Santos, publicado na R. T. J. vol. 56, pág. 431 usque 440, para não se concluir e aplicar erroneamente a matéria
aqui ventilada.
O ponto do aresto que nos
interessa está particularizado no n° 1 da ementa, assim redigida: “Não
constitui julgamento ultra petita decretar a nulidade, em ação de reintegração
de posse, para dar pela sua procedência, de atos nos quais a parte calca a sua
alegada posse. Aplicação do princípio constante no parágrafo único do art. 287
do Cód. Proc. Civil...”. Ab initio, tem-se
a impressão que o enunciado na ementa vai de encontro à tese aqui defendida;
mas na verdade, assim não, pois o referido decisum
foi prolatado quando vigia o Código de
Com bem se depreende do corpo do
aresto, “... a declaração de nulidade dos atos argüidos para chegar a essa
conclusão, constitui motivação da
decisão...”. “...mas, com isso, não decidiu além, dos pedidos, e sim apenas
houve por bem estabelecer as premissas necessárias à conclusão...”.
Ora, se no caso sub examen (uma possessória discutida
com base no domínio), quando ainda em vigor o Código de Processo Civil de 1939
(decisão proferida em 1970), incursionou o magistrado pelo campo da análise dos
títulos para fundamentar a possessória, e, desta feita, averiguando a nulidade
de um deles, realmente fazia-se mister, que ele, além de julgar a posse,
declarasse a invalidação de um dos títulos, sem que estivesse proferindo
decisão ultra petita (art. 287,
parágrafo único).
Porém, o mesmo princípio e
ensinamento não se aplicam mais desde o advento do novo Cód. de Proc. Civil, no
que tange à parte dispositiva da sentença, em face do já mencionado art. 469,
isto é, os motivos da sentença (fundamentação) não fazerem coisa julgada
(material). Para o Ilustre Moacyr Amaral Santos (op. cit., pág. 476), “A matéria comportava controvérsia e profundas
indagações no regime do Código de 1939 ...”. “... Queria dizer que se
consideravam com efeito de coisa julgada as decisões, no desenvolvimento da
análise das questões suscitadas, e que se pressupunha necessariamente na
conclusão ...”. E, adiante, continua o doutrinador: “O Código vigente cortou
definitivamente a controvérsia, excluindo da eficácia da coisa julgada as
questões resolvidas na fundamentação, até mesmo as chamadas questões
prejudiciais (art. 469)”.
Por estes motivos, não tem mais
aplicação na sistemática processual moderna o entendimento defendido pela
insigne Primeira Turma do Pretório Excelso, mas que, vale ressalvar, para a
época de sua prolação, era absolutamente correto.
VI – A COISA JULGADA
Já vimos anteriormente que não tem
qualquer eficácia o reconhecimento, na fundamentação da sentença possessória,
de nulidade ou anulabilidade do título, inexistindo, assim, res judicata.
Questão outra é com relação à ação
reivindicatória. Pode a parte sucumbente, em ação possessória, sendo também
titular de domínio, após o trânsito em julgado, intentar ação reivindicatória,
sem com isso ofender a coisa julgada? – Em regra, é possível a propositura da reivindicatória
após o trânsito em julgado da possessória, pois o bem tutelado no primeiro caso
é a posse (situação meramente fáctica), enquanto que na outra o objetivo é a
proteção da propriedade (direito real).
Porém, casos ocorrem em que se
decide a posse em razão do domínio (art. 505, 2° parte do CC), o que acarreta,
após o trânsito em julgado do decisum,
a impossibilidade da propositura de reivindicatória, em face de já ter o
magistrado se manifestado a respeito do direito de propriedade. Caso contrário,
viria a ferir o princípio da coisa julgada. Neste diapasão podemos citar TJSC –
DJE 5.998, de 11/03/82, pág. 10, Rel. Des. Nelson Konrad e DJE 6.155 de
27/10/82, pág. 6, Rel. Des. Nauro Colaço.
Note-se que, neste caso, apenas
dá-se a coisa julgada para efeitos de reivindicação, e não para qualquer outra
matéria versada, por ter sido a lide discutida com base no domínio. Assim
também entendem Paulo T. Haedchen e Rêmolo Letteriello (in Ação Reivindicatória, pág.113,1980).
VII – Conclusão
À guisa de conclusão, poder-se-ia
dizer sumariamente que a decisão que reconhece a exceptio dominii em favor de uma das partes: a) não faz coisa
julgada no sentido material, no que pertine à nulidade de títulos, salvo se a
possessória foi cumulada com anulação de ato jurídico (com procedimento
ordinário)ou preexistiu declaratória incidental; b) obsta o juiz de declarar a
nulidade do documento ex officio, sob
pena de julgar ultra petita; c)
impossibilita o ajuizamento de ação reivindicatória havendo coisa julgada
material em possessória, desde que fundada a lide no domínio.